15 de out. de 2024

ECOS


 Por André Bozzetto Jr
 

    Na calada da noite, ouço ecos de vozes distantes me chamando de volta para lugares que já não existem mais. 

 

 

 

24 de jan. de 2024

O PARADOXO DAS RUÍNAS

 

Por André Bozzetto Jr

 

            A casa é antiga. Está em ruínas. A maioria das lembranças já virou pó, enegrecido e triste como a camada que recobre os velhos móveis que ninguém quis levar embora. O pouco que sobrou está como as tábuas do assoalho, podre e prestes a ruir para dentro de um buraco negro de abandono e esquecimento. Restos de risadas ecoam com o vento que sopra por entre os espaços vazios onde antes houvera janelas que se abriam para um mundo que já não existe mais. Sobras de lágrimas gotejam de encanamentos quebrados, como corações que também se partiram e nunca mais se recuperaram. Sonhos descascam das paredes como tinta velha e ressecada. Planos e projetos despencam aos pedaços, junto com fragmentos de um telhado do qual muito pouco sobrou. E por entre as telhas que não estão mais lá eu vejo o céu escuro, profundo, infinito. Às vezes gostaria de voar até lá, como um pássaro fugindo de um longo cativeiro. Mas dessa prisão não consigo sair. Estou aferrado aqui como o mais profundo pilar desta construção secular.
           Todos partiram há muito tempo. Alguns ainda em vida, outros depois de mortos. Só eu fiquei. Talvez tenha sido por opção, como o bastião de  resistência contra o ciclo inexorável das mudanças. Pode ser que foi por imposição, como um castigo por algo do qual já não lembro. Por mais que tente, não consigo recordar o motivo. Virou um enigma, tão etéreo como a minha própria existência, com todos os detalhes importantes desvanecidos na névoa da noite eterna.
           De qualquer forma, por muito tempo acreditei que quando a casa desabasse por completo eu poderia finalmente sair. Só que não. Hoje percebo que todo o seu material já foi ao chão há décadas. Suas ruínas continuam existindo apenas na minha mente e, por tudo que posso ver, minha mente também só existe dentro desse lar decrépito que se tornou sua perpétua habitação. Um paradoxo eterno de restos mortais. Da casa... e de mim.  

10 de jan. de 2024

SANATÓRIOS

 

Por Clayton Alexandre Zocarato

 

Por aqueles corredores sinistros, muitas vidas foram mitigadas a ser somente um resquício de dignidade, sendo os barulhos e gritos de eletrochoques algo de muito costumeiro.

Muitos dos seus internos foram classificados como a vergonha da família, e para não manchar a ilibação de suas tradicionais e hipócritas posturas eugênicas dentro da sociedade civil enviavam todos os "seus filhos imperfeitos", para aquele confinamento  humano miserável e execrável.

Não havia nenhuma  piedade ou clemência, somente uma sensação de que a loucura ali permaneceria para sempre, sem nenhum tipo de misericórdia, e pelo qual também não caberia qualquer tipo de misericórdia ou compaixão.

Muitos experimentos foram feitos, ressuscitando alcunhas monstruosas  do Doutor Josef  Mengele, e que em nome da ciência vieram a trazerem muitos infortúnios perante uma ética da ciência, que pudesse tratar todas aquelas pessoas com alguma ternura.

Ética pela qual, muitos de seus “pseudo-doutores”, tratavam a maioria dos pacientes  com uma irracionalidade beirando o animalesco.

Os Sanatórios recebiam (e ainda recebem!)  de tudo.

Bastardos, Filhos e Filhas com vícios em entorpecentes, dementes, esquizofrênicos, grávidas em tenra idade, velhos caducos e debilitados que as famílias  desejam  se livrarem  a todo custo, desfigurados corporais, bandidos de todas as estirpes, psicóticos, esquizofrênicos, intelectuais subversivos, presos políticos...

O cardápio de aberrações e injustiças  são e eram  diversificados.

Ficavam aquartelados por entre seus terrores reais e fabricados por psico-fármacos, estando solitariamente  mercê de algum tipo de piedade, mas que com a brevidade o longevidade de suas vidas,  em muitos casos a revelia  da vontade dos “seus cuidadores e tratores”,  sendo a morte   um alento, perante tanto desalento e abandono.

Todavia, a fidelidade  de seus algozes eram pontuais.

Para aperfeiçoar suas experiências a burocracia dos seus cotidianos,  criavam todo o tipo de tortura, desde o uso de ratos a serem transportados para minúsculas salas com pacientes tendo que dividir seus espaços com moribundos, que desejavam mesmo dentro de sua demência,  saírem daquele estado humanos  paupérrimo pelos quais ainda se olhavam dentro de si mesmo como sendo um dia retrato de um ser humano, como uso de jatos d’água em noites frias, e depois serem alojados em espaços taciturnos contendo o frio como uma companhia constante.

Os sanatórios são  um peremptório de distúrbios, em acusarem,  que algumas parcelas dos homens falharam na sua condição dialética, de auferir algum tipo de conhecimento que assim viesse a respeitar todas as nossas  diferenças.

Diferenças essas que eram revertidas,  para um mar de indiferenças, que viessem assim a rastejarem,  alguma tipologia de compaixão, para os esquecidos, os banidos, os vadios, os feios, os patéticos, os sonhadores, os delirantes, os utopistas, os idealistas.

Tudo junto e misturado, mas que de certa maneira estavam configurados para uma ontologia de esquecimentos, que assim pudessem trazerem,  algum tipo de juramento sem nenhum lamento, mas que aos poucos eram revestidos de excrementos de discórdias para assim salientarem  uma paixão pelo prazer de alcançar o que possa de sentenciar como sendo  proibido.

Esse proibido é um fato, tentar convencer dos “ditos loucos sãos” que a humanidade pousa de sanidade, mas no fundo se envergonha dentro de suas mentalidades doentes, almejando a procura de vantajosos procedimentos de esfacelarem a bondade, que em determinados momentos, está subvertida por um nefasto sentimento de moralismo mecânico.

Moralismo, permutado em ativismos, que suplantam um amor universal, que se perde pelas alcunhas de um tempo, que se conflua em personagens que na maioria das vezes canta lúdicos sentimentos de uma compaixão, que está somente atrevida aos desejos egoístas mais profundos.

Os Sanatórios silenciosos, seriam  oratórios falaciosos?

No final, tudo  se torna ocioso...

E mentiroso...

Entre confissões burocráticas recheadas, na admissão de uma sujeição que se possa de fato se  colocar no lugar do próximo, seus funcionários pensam mais em se livrarem de suas “meta-obrigações”, que assim possam perpassarem  sentimentos de uma ética de respeito pelas pessoas enjauladas  e esquecidas, onde sua dignidade é testada cada momento.

Os Sanatórios ...

Oráculos diabólicos, para testarem, uma humanidade que veste a armadura dos bons hábitos, mas que no fundo dos seus sentimentos mais profundos, fantasiam,  uma demência sucinta na docilidade  aceitar o que seja taxado como  diferente.

No cotidiano de sua  hipocrisia, em realizar discursos ao ar livre, que venham contemplar a aceitação de todos os seus membros, está um vaticínio implacável, em não querer incomodar as pessoas “normais”, mas que deixa um marasmo egoísta  de boas maneiras, pelas quais vão se  abrindo passagens filosóficas  em que  “tudo deve ser aceito”, gerando um grande pleito de hipocrisias, que assim são sublimes, em não externalizar,  seus sentimentos mais egoístas, em nome de uma paz social, que apenas vem reproduzir momentos de uma falsa empatia.

Os Medos, dentro dos Sanatórios, sejam eles  em qualquer região que estejam localizados,  esgarçam mágoas , em balbuciam  que “ainda não estamos acostumados com o diferente”.

Um diferente, que precisa a cada instante ser reinventado, para uma compensação de sensatez, onde os doidos varridos são sacudidos por uma culpabilidade, em não terem sidos banhados com uma normalidade banal, que tem  seu espiritual  esquecido, em nome de algum bem material qualquer.

A loucura com o terror, geram cárceres mentais aos quais a sua  libertação para realidade somente se torna um caminho,  para amenizarem  suas dores mais profundas  dentro de sua  alma, que venham  assim realizarem metafísicas para um comprometimento, entre o que seja estar na sanidade, como na infantilidade egoísta de construírem  amarras de benfeitorias disfarçadas, em desgraças, que são comiseradas com falsas promessas de bem comum.

Sanatórios são recheados de falatórios de igualdades  baratas, que subvertem a humanidade a procurar uma sanidade, que em meio ao seu caos comportamental, produz esquizofrenias coléricas, disseminadas por entre um passado de proteção a civilidade humanística, estando  submetida  há um  conluio, com os mais dantescos  arquétipos de exclusões entre culturas de polivalentes naipes.

Não existe um local específico para o terror...

Toda a sua flâmula, transcorre para uma alienação constante, onde os subterrâneos de interpretações  da mente,  ficam atrelados para um falsificacionismo, quanto à importância a se propiciar, que  para cada tempo e acontecimento histórico, se possa organizar um esclarecimento para diferentes  figuras de lamentos do ser – humano.

O Sanatório mais cruel...

A escravidão de si mesmo...

As pessoas vivem, querendo ser, o que não direito de ser, mas que julgam problematizar o que deveria ser simples...

Bem, a mente humana não é simples, mas está  prontificada para alimentar os mais polivalentes e pragmáticos tipos de ilusões.

Ser iludido não é nenhum pecado, porém produz muitos desagrados, em meio a preconceitos de que ser classificado “normal” é fundamental para  alimentar diretrizes de inteligências pulsantes  na elaboração de andrajos  em  alçar voos rumo ao desconhecido, que se vai fabricando diferentes maneiras de se interpretar a loucura.

Loucura com maluquice...

Amor com desafeto...

Desamor com rancor...

Normalidade com falsidade...

Crueldade com melancolia...

Afinal de contas, o que é  ser normal de fato? Enquanto tudo parece anormal?

A vida é uma experiência continua de adversidades, que consolidam verdades cambaleantes.

Talvez o maior sanatório, seja não saber o que fazer com a liberdade,  que alguns pensam estarem usufruindo.

Entre drogas e prazeres, uma boa parte das pessoas se perdem,  em enxergarem unicamente o próprio umbigo, bebericando o cálice ininterrupto de caluniar atos  de bondade pura e plena, que são diagramados para realizarem um peso de patéticos eufemismos de aceitação de um ser humano pelo outro...

Mas qual seria a natureza de toda a racionalidade?

Estaria ela camuflada, em uma loucura sem fim, em viver unicamente para se portar como sendo normal, perante múltiplas aberrações?

Os sanatórios escondem sentimentos que são alçados em determinados momentos a escancarar solidões, que são romantizadas como algo sendo normalizador?

E assim, vão usufruindo,   de suas  loucuras particulares, como alimentos para psicoses que são efervescentes e dementes, em monstruosidades congênitas feitas sobre encomenda,  para uma intromissão mental precária,  em se faça uma  esperança de  paz,  coletiva fraca, mas muito eloquente, em realizar novas conjecturas de psiques dormentes.

Entre os dentes sujos, se pronunciam ruídos de socorro, aos quais a humanidade finge que  está tudo  bem, cometendo suicídios de carinhos, aumentando uma exclusão, que não abrem brechas para nenhum ato paliativo.

Os cafés de seus funcionários esfriam.

A agonia dos pacientes só aumenta.

O esquecimento e o abandono são suas companhias diárias.

Já não há,  se quer,  raiva ou algum ressentimento.

Tudo já foi institucionalizado.

Sacralizado, amordaçado, medicado, encarcerado, humilhado, trancafiado, amedrontado, amaldiçoado, execrado, exilado, massificado, atomizado, dizimado, assassinado.

Existem sanatórios, para todos os tipos de emoções e desrazões.

Expressões faciais  amarelada s, corpos fracos, almas em cacos.

Sanatórios, Sanatorium,

“Fundamentum eius legalisticum, contrariis cum re sua própria”...

 

  

NOTA DO AUTOR: Dedico esse conto aos Professores Doutores Sidney Jorge Barbosa e Lúcia Maria de Assunção Barbosa da Universidade Nacional de Brasília, pela sua hospitalidade e afeto, não tenho palavras para descrever minha gratidão e admiração.

4 de jan. de 2024

15 ANOS DA ANTOLOGIA "METAMORFOSE - A FÚRIA DOS LOBISOMENS"


 

Por André Bozzetto Jr

 

            Após um recesso de fim de ano, estamos de volta com a primeira postagem de 2024, dedicada a relembrar os 15 anos do lançamento do livro Metamorfose – A Fúria dos Lobisomens, organizado por Ademir Pascale (leia uma entrevista que fizemos com ele clicando AQUI), obra que ao longo do tempo adquiriu status de cult na cena da Literatura Fantástica Brasileira e, em especial, entre os apreciadores da temática licantrópica.

            A publicação teve o mérito de trazer à tona a figura do lobisomem, até então pouco explorada no meio literário nacional, além de dar visibilidade a muitos autores em início de carreira, inclusive alguns que posteriormente viriam a adquirir inegável reconhecimento, como Duda Falcão, Alex Mir, M. D. Amado (que pouco tempo depois fundou a Editora Estronho) o saudoso Adriano Siqueira e o próprio organizador, Ademir Pascale.

            O livro também teve papel central no boom de antologias de Literatura Fantástica que marcou a virada da década de 2000 para a de 2010, gerando um contexto de efervescência entre autores independentes de terror e gêneros correlatos como poucas vezes visto em outros momentos.

            Eu mesmo vinha de uma fase de muitos anos me dedicando apenas a obras de não-ficção e encontrei nessa antologia a oportunidade e a motivação para voltar às publicações de Literatura Fantástica, algo que não fazia desde a década de 90, com Odisseia nas Sombras. O conto que escrevi, intitulado “O Melhor Amigo”, marca a estreia do personagem Jarbas, que mais tarde ganharia um livro solo e se tornaria o carro-chefe do meu trabalho envolvendo lobisomens.

            Acredito que ainda é possível encontrar exemplares à venda em livrarias on-line. Se você não conhece essa obra clássica, eu mais do que recomendo! 

Adriano Siqueira, Pedro Moreno e André Bozzetto Jr no lançamento do livro em São Paulo, 2009.



     

Sinopse oficial:

Poderia uma maldição mudar o rumo da história da humanidade? Por que há tantos relatos dos homens lobos em épocas e lugares diferentes?

Publius Ovidius Naso (43 a.C – 17 d.C) escreveu a obra Metamorphoses, na qual cita as transformações de homens em animais, incluindo o rei Licaão em lobo. Ovidius influenciou William Shakespeare, John Milton, Dante Alighieri, Benjamin Britten, Cruz e Silva e tantos outros ao longo de dois milênios.

Aventure-se nestas páginas, mas tenha cuidado ao lê-las nas noites de lua cheia.

Ficha Técnica:

Organização: Ademir Pascale

Editora: All Print

Ano: 2009

Páginas: 200

Acabamento: Brochura

 ISBN: 978-85-7718-538-2

Autores e contos:
Ademir Pascale – Metamorfose

Adriano Siqueira – O Vampiro e o Lobo
Alex Mir – O Quarto da Porta de Aço
Almir Pascale – O Anjo da Escuridão
André Bozzetto Junior – O Melhor Amigo
André Catarinacho Boschi – Boa Noite
André Schuck Paim – Maldito
Armin Daniel Reichert – O Filho do Lobo
Arthur C. Bonaventura – O Mau Filho Retorna a Casa

Christian David – Última Esperança
Dione Mara Souto da Rosa – O Pacto de Carcassonne

Duda Falcão – Espírito de Totem
Elenir Alves – Anomalia
Felipo Bellini – Despertar das Gerações
Georgette Silen – O Sétimo
Jocir Prandi – Sina
Jorge Jose – Noturno
Jorge Ribeiro – Flagelo
Larissa Caruso – Fúnebre Luar
Leonardo A. Ragacini – A Mordida da Loba
Lino França Jr. – A Alcatéia
Luciana Fátima – O Choro do Lobo
M. D. Amado – O Último Baile: Pontos de Vista
Marcelo Hipólito – Razão e Fúria
Marco Bourguignon – A Sereia
Mariana Albuquerque – Em se Falando de Monstros
Maurício Montenegro – Cadeia Alimentar
Pedro Moreno – Lobo Homem
Rafael Azeredo – Bendita Maldição
Raphael Albuquerque – O Jovem Caçador
Frank Bacurau – Cogumelos Sob a Luz da Lua Cheia
Ronaldo Luiz de Souza – Zé Cão, o Zelador do Canil
Roseli Princhatti Arruda Nuzzi – Eterna Maldição
Rubem Cabral – Eu, Lobo

Simone Anton – Olhos Amarelos

Wilson Silva – Fuga em Quarto Crescente