Por Adriano Siqueira
Demorei
dias para chegar até aqui. Meus pés estavam doloridos. Minha boca
estava seca. Não tinha forças nem para passar a língua nos lábios.
Apenas olhava para frente. Meus passos seguiam um rumo quase robótico.
Não estava mais no comando do meu corpo. Em minha mente, Só apareciam as imagens de um passado cheio de poucos resultados, poucas conquistas e pouco reconhecimento.
Fui
deixado de lado várias vezes. A primeira vez pelas pessoas que me
amavam. Elas sabiam que eu iria sofrer se eu não mudasse meu modo de
pensar. Elas não queriam me ver sofrendo, não queriam me ver como eu
estou agora. Saíram da minha vida enquanto eu estava bem para que eu não
sentisse falta deles. Acredito que fizeram certo. Ninguém gosta de ver
alguém sofrer, ainda mais quando este alguém acha que o que estava
fazendo era o certo. Que o que estava fazendo era o que faria a
diferença. Que o mundo não era tão carregado de manipulações mesquinhas e
que as armadilhas criadas foram produzidas apenas para serem vencidas
ocasionalmente. Que as armadilhas eram colocadas ao acaso e não de
propósito e que eu seria visto como um vírus que deveria ser eliminado
com todo o poder existente pois, se um dia alguém tentasse trilhar o
mesmo caminho, sentiria a mesma fúria e desafios seriam ainda piores.
Mas
eu era teimoso. Eu assistia diariamente tudo se perder. Tudo ir embora.
Mesmo assim eu persistia. Queria mostrar que poderia chegar neste
castelo de uma forma mais fácil, sem levar meses. Com uma charrete
certamente eu chegaria mais rápido. Mas o meu reino iria desconfiar se
eu saísse de lá com uma. Precisava prosseguir para mostrar que eu estava
certo.
Agora estou perto. Tão perto que consigo ver com detalhes as paredes daquele castelo, As pedras e os vãos detalhados. Meus
passos não aceleram. Continuo na mesma velocidade calma e vagarosa.
Minhas mãos estavam duras como pedra. Meus dedos não se mexiam. Não
conseguia tocar os próprios dedos. Meus braços não tinham forças nem
para chegar até o rosto. Tudo estava dormente. Só a minha mente
funcionava. Todo o passado aparecia como uma bomba nuclear. As festas,
os encontros com os amigos, as ameaças encobertas como um conselho ou um
toque de "amizade". Eu era uma peça que deveria ser eliminada se eu
continuasse a seguir este caminho. Me senti ameaçado, mas o meu sonho
era maior que tudo. Maior do que eu.
Eu
tropecei. Cai... rastejei... levantei com muitas dores. O impacto foi
gigantesco. Pensei que era o meu fim. Nunca imaginei que um exército
seria criado só para me eliminar. Fui derrotado. Não consegui lutar com
todos pois cada um que eu vencia era logo substituído por três. Não tive
muitas opções. Após uma sucessão de quedas eu me rendi. Me entreguei.
Pensei que era o meu fim. Que eu iria morrer. Mas ao invés de ter uma
morte rápida, colocaram as mãos em meus ombros e disseram: Queremos
afastá-lo. apenas isso. Não é nada pessoal. Você é uma pessoa admirável
por muitos, porém, o que você está fazendo é uma ameaça e você deve ser
detido. Você não tem experiência para lidar com a situação quando
vencer. Nós temos. Nós sabemos como devemos agir. O caminho que está
construindo pode acabar com o sonho de muitos.
Eu
não entendia. Lutei muito para descobrir este caminho. Lutei muito para
nada. E o que era pior. Eu estava fazendo o caminho para eles trilharem
também. Mas a reação deles tinha sido exatamente ao contrário do que eu
esperava. Descobri algo que para eles poderia ser o fim de tudo. O fim
do reino. Então continuei ouvindo o que eles diziam.
"Você
sempre foi muito criativo." Diziam. "Sempre nos ajudou de muitas
formas. Mas quando começou a dizer que havia descoberto um caminho mais
rápido do que tínhamos para chegar ao castelo mais lindo do mundo, você
estava condenando o nosso reino. Estava condenando nosso povo."
Eu não entendia. Como um caminho novo e mais curto poderia condenar um reino? "Você
é ingênuo. Vamos deixá-lo aqui nesta floresta. Se quiser trilhar o seu
novo caminho para encontrar o castelo, então continue. Mas nunca mais
você poderá voltar ao nosso reino e nem entrar em contato com o nosso
povo. Você está sendo banido para sempre. Se voltar, vai morrer."
Eles
me deixaram seguir o novo caminho sem água e sem comida. Com certeza
imaginavam que eu morreria no caminho. Pois talvez, a morte seria
dolorosa também para eles. Seria uma forma de não se responsabilizarem
por nada, pois me deram uma chance e isso aliviaria a consciência deles.
Agora
faltava poucos metros para entrar no castelo. Muito pouco. O caminho
que fiz foi quatro vezes menor do que faziam para chegar por aqui. E
eles usavam cavalos e charretes para ir mais rápido. Eu
estava em frente a porta do castelo. Não tinha forças para olhar para
cima. Encostei a testa na porta. Meu corpo tentada desligar dos passos
tudo ainda estava em um movimento lento que foi detido pela porta. Eu
balançava algumas vezes. Tentava falar. Avisar que eu estava na porta,
mas eu não conseguia me mover. Achei que eu iria morrer ali. Sem entrar
no castelo. Seria uma morte triste, mas pelo menos eu havia conseguido
chegar lá.
Meus
olhos estavam fechando. Eu estava morrendo. Eu estava lá. Olhando para a
porta e nem podia ver a beleza do castelo mais lindo do mundo. Meus
olhos estavam tão secos que eu nem conseguia chorar. Gostaria que
tivesse alguém aqui...Estava imaginando vozes.
"Uma visita depois de tantos anos." "Você está fraco. Vou levá-lo até a cama."
Meus
olhos abriram lentamente. Eu ainda não sabia o que estava acontecendo.
Eu arriscava em dizer que estava morto. Porém as dores que eu sentia em
meu corpo deixava este pensamento de lado. Fiquei pensando em meu
anfitrião. Quem era? Não consegui saber nada sobre ele. Eu estava tão
fraco que nem percebi que fui carregado para cá. Andei vagarosamente
pelo quarto. Estava tudo impecavelmente limpo. Era o castelo dos sonhos
de qualquer um do meu reino. De repente escuto uma voz que vem de todas
as paredes do quarto.
"Meu nome é Vladlúvia Cegova. Sou uma mulher ou já fui uma." "Você deve descansar." "Ainda não está recuperado da viagem." "Eu já estou melhor." "Podemos conversar?"
Um
silêncio tomou conta do local. Depois de algum tempo a porta começou a
abrir lentamente. Eu olhava atentamente. Queria ver que era aquela
mulher. Depois que a porta estava completamente aberta ela apareceu e
calmamente andou até uma cadeira, se sentou e fez um gesto para que eu
me sentasse na cadeira ao lado. "Deve ter muitas perguntas." Embora os lábios dela se moviam quando falava, o som da sua voz parecia sair das paredes do castelo.
"Eu sou Damiano Colídio. Eu era um cidadão do Reino de Roz. Ela
escondeu uma risada com suas mãos e logo voltou a sua posição e tornou a
olhar para mim. Seus olhos eram escuros muito brilhantes. "Fez bem em sair de lá."
"Não existe mais ninguém neste castelo?"
Ela
se levantou e começou a andar e a mexer no seus cabelos que eram
escuros. O seu vestido era todo vermelho. Seu rosto era pálido e os seus
lábios eram muito vermelhos. Ela era uma mulher alta e se movimentava
como uma rainha. Certamente ela era a dona do castelo.
"Fazia tempo que não recebia visitas." "Alguns anos."
Fiquei
surpreso com a resposta. Como poderia estar sozinha por tanto tempo?
Pelo que sei, o reino fazia excursões para este castelo semanalmente.
Fiquei muito intrigado e curioso.
"Meu antigo reino sempre trazia os visitantes para este castelo." Ela olhava para mim e sorria. Seus dedos tocavam levemente a mesa ao seu lado e enquanto ela caminhava eles passavam pela mesa. "Acredite. Nunca viram este castelo."
Isso me deixou um pouco confuso, mas ela continuava a falar. "O caminho que eles criaram para chegar até aqui era longo demais. Eles acabavam desistindo."
Eu
pensava, como puderam fazer isso? O castelo não era tão longe assim.
Levei alguns dias para chegar mas se tivesse cavalos chegaria rápido. No
máximo em dois dias. "Por que fariam um caminho tão longo assim?"
"Você
é ingênuo. O seu antigo reino colocou muitas casas no caminho e cada
uma delas tinha algo que era referente ao castelo. Peças do castelo,
pinturas, cortinas, tapetes, vinhos com o nome do castelo, uma pequena
peça de teatro que mostrava a importância do local, roupas e flores."
Então
o caminho era feito para isso. Eu pensava. Assim eles gastavam tudo o
que tinham para levar lembranças do castelo antes de chegar nele e
acabavam sendo vencidos pelo cansaço.
"Havia também um lugar para eles descansarem. Com muita comida e um lago para se divertirem."
"Por isso eles não gostaram da minha ideia quando eu disse que havia um caminho mais fácil de se chegar aqui."
"Então
você não sabia que era assim que seu reino recebia os tributos dos
visitantes? Me desculpe. Não consegui segurar uma boa risada."
"Isso explica eles terem me banido do reino. Eu estava para descobrir toda a armação. Queriam o meu silêncio."
Olhei
para os lados. Coloquei a mão na minha cabeça e comecei a andar em
volta do quarto. Eu era mesmo muito ingênuo. Achei que estava achando
uma solução para ajudar o reino e na verdade estava condenando o que
eles construíram por anos para ganhar os tributos através deste caminho
longo. Ela tornou a falar.
"Sei
que sente enganado. Eu não o culpo. Nem todos pensam como você. A sua
forma de ajudar os visitantes poderia ter condenado seu reino a pobreza
absoluta. Eles tiveram que fazer uma escolha, ou era você ou o reino.
Sinceramente acho que foi muita sorte você ainda estar vivo... ou
quase."
Desta vez eu fiquei preocupado. Ou Quase? O que isso significava? Afinal eu estava vivo. Eu perguntei aflito.
"O que quer dizer Vladlúvia?"
"Como eu disse, já fui uma mulher. Agora sou diferente."
Um
calafrio tomou conta do meu corpo. Com tudo que aconteceu eu não havia
prestado atenção em suas palavras. Estava tão revoltado com as atitudes
do meu antigo reino que nem percebi que ela poderia ser uma criatura
perigosa. Eu precisava ficar calmo. Tentar conseguir as respostas que
queria e sair logo de lá ou eu poderia estar em uma armadilha que seria
fatal.
"Acho melhor você se sentar."
"Estou bem assim. Me conte. O que fez comigo?"
"Você está morto."
"O quê? Mas eu estou me mexendo e pensando. Como poderia?"
"Você
pode se sentir como era, mas isso é só o seu celebro que está te
enganando. Você estava morrendo quando chegou. Não havia mais como te
salvar. Então eu o transformei na mesma criatura que sou."
Eu fiquei em pânico. Segurei os seus braços e gritei como podia. "No que me transformou? O que eu sou agora?"
Ela se livrou do meu aperto com uma força sobre humana. Andou por algum tempo. E começou a explicar.
"Sou
uma criatura lendária que já foi banida por muitos reinos. Sou
considerada um perigo para humanidade. Sou o monstro que todos desejam
nos seus sonhos. Só nos sonhos."
Eu
tive vontade de sair correndo daquele lugar. Ficar longe daquela mulher
que agora vejo como meu real perigo. Mesmo assim, ela tentava explicar o
que ela era.
"Somos monstros que se alimentam de sangue."
Eu estava apavorado. Tentei fugir. "Você está louca. Quero sair daqui."
Ela
me segurou pelos braços e me levou para um quarto escuro do castelo.
Acendeu uma tocha e me mostrou o que havia no quarto. Eu fiquei gelado
de pavor. Muitos corpos jogados um em cima do outro. Sangue por todo o
lado. Ela era mesmo algo monstruoso. E agora eu fazia parte da sua
espécie. Ela ria muito e as luzes da tocha refletiam nos seus olhos que
deixavam ainda mais diabólicos.
"Não se preocupe. Você agora tem a força de muitos homens e tem o poder para dominar o seu antigo reino."
Ela
me beijou. Com muito desejo. Imaginei que está seria uma longa noite.
Teria muito o que aprender. E em breve eu faria uma visita ao meu antigo
reino.
Primeiro parabéns pelo formato do seu blog, realmente é muito convidativo adorei. Agora, Adriano Siqueira, pergunta pra você no seu conto senti um relato muito pessoal, intimo mesmo o que faz aos seus leitores especular se o conto é uma fala do Adriano, um recorte de sua vida e o transformou em um conto fantástico? Se sim (risos), acho que conheço bem meu escritor, se não é apenas a mente criativa da sua leitora favorita. <3
ResponderExcluirQue história boa!Tem continuação?
ResponderExcluirNão pensei em uma continuação. Geralmente quando tento escrever a segunda parte decuma história acabo fazendo uma outra história bem diferente haha mas obrigado pela leitura
ExcluirTudo que fazemos e passamos na vida acabam se transformando em historias com elementos fantasticos. A exploração sobre uma cidade paradisiaca e suas casas e castelos restaurados se transformam em uma fonte entavél e esse conto serve como um alerta para os turistas.A beleza é sempre uma grande fonte xe riqueza e cada cidade tem a sua forma de conquistar seus turistas. Obrigado pela leitura Kátia
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