Por André Bozzetto Junior
Mesmo contrariada, Vanessa seguia Roger por entre as lápides encardidas e mal conservadas de um antigo e decadente cemitério rural. A elegância de suas roupas caras e impecáveis contrastava com o visual desleixado do rapaz. Quem observasse a cena dissonante daquele casal andando ao anoitecer por um local tão lúgubre, poderia fazer diversas conjecturas, mas dificilmente arriscaria supor que se tratava de marido e mulher debatendo sobre as mazelas de um divórcio iminente.
A verdade é que a moça já não suportava mais seu antigo cônjuge. Havia passado a odiar seu tom de voz macio e monótono, sua lerdeza de ação – que agora classificava como preguiça – e principalmente, sua total falta de disposição para assumir as responsabilidades de uma vida adulta alicerçada nos moldes que ela considerava ideais, ou seja, fundamentada no trabalho, mas regida pelo status social e pelo dinheiro, de preferência muito dinheiro. Foram essas razões que a levaram a observar Júlio – antigo amigo do casal – com outros olhos, a tal ponto de induzirem-na a aceitar o fato de que era muito mais coerente para com o estilo de vida que tanto almejava ser casada com um advogado promissor e oriundo de uma família tradicional do que com o João Ninguém com quem havia cometido o erro de trocar alianças. Como Júlio nunca foi muito eficiente em disfarçar a queda que sentia por Vanessa, bastou ela dar a devida abertura para que logo se construísse uma pequena aventura extraconjugal, que rapidamente converteu-se em um romance sério e regado por juras de amor sincero e, por fim, culminou em uma proposta de casamento, desde que, logicamente, ela se divorciasse de Roger primeiro.
E era por isso que ela havia se sujeitado a aceitar o pedido mórbido e bizarro feito por Roger para que visitassem aquele tétrico cemitério, porque ele havia prometido que assinaria o divórcio depois desse último passeio. Logicamente, ela achou a ideia muito estranha e desagradável, mas sabia que o antigo companheiro era dado a esquisitices e excentricidades, de modo que aquela inicialmente parecia ser apenas mais uma. Além disso, depois de todas as cenas constrangedoras que ele havia feito quando soube que ela e Júlio pretendiam ficar juntos, era mais do que necessário aceitar qualquer proposta para não deixar escapar a única oportunidade em que ele finalmente afirmara consentir com a separação. Para Vanessa, essa situação ganhava um tom de urgência ainda maior quando ela levava em conta os vários meses que Roger passou viajando, supostamente em algum lugar da serra catarinense, e de onde ela temeu que ele nunca mais retornasse para assinar os papéis que lhe deixariam livre para concretizar seu tão almejado sonho de ascensão social.
Porém, naquele momento já havia escurecido completamente e a perambulação por aquele cemitério ganhou contornos ainda mais arrepiantes quando eles chegaram diante de uma espécie de gruta onde havia um grande portão de ferro e Roger passou a insistir para que ela entrasse. Vanessa já estava consideravelmente irritada pela insistência do antigo companheiro em tentar denegrir de todas as maneiras possíveis o nome Júlio – buscando até mesmo antigas histórias do tempo de faculdade para desmerecê-lo – e aquela proposta sem pé e nem cabeça para que entrasse em uma gruta fedorenta e escura para que verificasse alguma suposta “surpresa” foi a gota d’água. Ela gritou, esperneou e disse que estava disposta a brigar pelo divórcio na justiça, mas que não entraria naquele buraco imundo de jeito nenhum. Foi nesse momento que Roger a agarrou pelo braço e praticamente a arremessou para o lado de dentro.
Enfurecida e amedrontada, Vanessa deu mais ênfase aos seus escandalosos protestos, mas Roger advertiu-a de que de nada adiantaria seu chilique, pois o responsável pelo cemitério havia sido subornado por ele para não se intrometer em uma alegada sessão de sexo fetichista que fariam ali e, como o local era ermo e isolado, ninguém mais ouviria seus berros.
A sensação de pânico que se apossava da moça aumentou ainda mais quando o facho de luz da lanterna trazida por Roger iluminou o corpo desacordado de Júlio caído em um canto da gruta. Temendo por sua vida e pela do amante desmaiado, Vanessa exigiu que Roger finalmente dissesse o que pretendia, e só então percebeu que a ameaça vinda do antigo cônjuge não era proveniente apenas de suas intenções sombrias e de suas atitudes rudes, mas sobretudo de algo no qual ele próprio estava se convertendo.
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