3 de abr. de 2023

BOA NOITE, MEU AMIGO.

 

                                                                           Por André Bozzetto Jr

  

        São duas horas da madrugada. Momento em que até o Zolpidem para de fazer efeito. O telefone toca e eu sei que é você. Como sempre, penso em atender e perguntar por que você fez isso consigo mesmo. Mas, nunca pergunto. Tenho certeza que a resposta iria doer. Ao invés disso, como de costume, pergunto por que você está me ligando. “Porque você é o único que ainda se lembra... que ainda se importa”, ouço sua voz dizer. No fundo, os gritos, o choro e os pedidos de socorro parecem mais vívidos do que dá ultima vez nos falamos. Arrisco pedir onde você está. “Ora, o que eu fiz foi terrível. Você sabe onde estou. No único lugar onde eu poderia estar”. Para disfarçar o nervosismo, tento ser engraçado e digo que não sabia ter telefone no inferno. “Não tem mesmo. Você sabe que não estamos falando ao telefone”. É apenas na minha mente, né? “E por acaso existe algo fora da sua mente?”. Sinto o coração acelerar. Minhas mãos estão suadas e tremendo. Lhe explico que a minha próxima consulta ao psiquiatra e só no mês que vem e que não estou a fim de aumentar a dose dos remédios por conta própria. Então pergunto por que você não colabora e para de me ligar, de uma vez por todas. “Eu quero parar. Mas para isso você deve me esquecer. Já devia ter esquecido. Todos já esqueceram”. Eu não estava preparado para essa resposta. Esquecer?! Sempre fomos os melhores amigos um do outro, desde a infância. Vivemos tantas coisas juntos... “Sim, e foi lindo, mas agora acabou. Siga em frente.” Eu percebo que você vai desligar, então começo a falar o mais rápido que consigo. Conto que encontrei uma foto do nosso time de futebol da adolescência, que deve ter sido tirada naquele torneio que jogamos e ganhamos, lá em São Valentim. Digo que, estranhamente, não consigo lembrar qual de nós marcou o gol do título, na final. “Foi você. É claro que foi você. Foi um golaço. Uma bomba da entrada da área, lembra?” E então eu lembro. Vejo a bola estufando as redes. Ouço os gritos da galera. Todo mundo correndo e me abraçando. Sorrisos, vibração. Na comemoração, me jogaram para o alto e eu olhei para o sol, lá em cima. Parecia que eu flutuava, em câmera lenta, e o sol nos abençoava, satisfeito por sermos ainda todos inocentes. Voltamos na caçamba de um caminhão, exibindo as medalhas e o troféu, tomando Coca-Cola e gritando para quem passava por nós. Quando cheguei em casa, todo mundo me deu parabéns. A medalha deve estar até hoje pendurada no meu antigo quarto, na casa dos meus pais. Foi um dia feliz. E, com esse sentimento de felicidade, desligo o telefone que nunca cheguei a atender, volto para a cama, da qual nunca levantei, e contemplo a esposa dormindo tranquilamente o sono dos justos. Ela nada sabe dos meus dramas noturnos. Não tem como saber que não fui eu quem marcou aquele gol. Eu jogava de zagueiro e era proibido pelos demais de passar do meio-campo. Quem marcou o gol foi você, o camisa 10. E então volta a ficar claro o porquê de eu continuar atendendo suas ligações. Com os olhos fechados, vislumbro de novo aquele sol brilhando lá em cima e, mesmo que seja apenas na minha mente, ele ainda me lembra que éramos inocentes, e mais do que isso, éramos companheiros, éramos colegas, éramos amigos. E alimentávamos esperanças e tínhamos sonhos. E fomos felizes. Lágrimas umedecem meus olhos, mas eu não as seco. De repente, o sono volta com tudo e decido não resistir a essa dádiva. “Boa noite, meu amigo.”

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