Por André Bozzetto Jr
O seu nome oficial é um tabu. Não deve ser mencionado. Não deve ser apontado nos mapas. Como sílabas blasfemas, causa mal-estar em quem ouve, estigmatiza quem pronuncia. Um filho bastardo cuja existência constrange o núcleo familiar. Uma promessa grandiosa nunca cumprida, que envergonha a honra do falastrão. Está no topo da lista dos assuntos sobre os quais é melhor não comentar. Daqueles que é melhor fingir que não existem.
Contudo, ela existe. Ela está lá. Como uma cicatriz antiga e profunda, corta o território de leste a oeste, acelerando ódio em cada reta, envergando angústias em cada curva.
Tal como na fluidez de suas formas, o medo não trabalha com números exatos, mas a imaginação simbólica sim. 666 km de asfalto, poeira, sangue e lágrimas. “Estrada da Morte”, “Rota do Inferno”, apelidos clichês para um mal que também nada possui de original. São décadas atropelando sonhos, estilhaçando esperanças e esmagando futuros. Ano após ano, ceifando vidas.
Crateras na pista que espelham os buracos deixados no interior de quem viu seus entes queridos embarcarem para a última viagem, da qual nunca mais voltaram.
Placas pichadas, amassadas e quebradas indicam – em ruínas – os destinos para os quais alguns partiram, mas nunca chegaram.
Vegetação insidiosa que invade o acostamento e sorrateiramente oculta cruzes improvisadas e tristes flores mortas deixadas como réquiem para alguém que não está mais lá. Não está mais aqui. Não está mais em lugar nenhum.
Reformas fictícias adicionam camadas de ilusão sobre o sangue ressecado. Monumentos fúnebres onde não há ninguém enterrado. Piras funerárias com cheiro de piche e dinheiro queimado. Obras póstumas de expectativas jamais concretizadas.
Circular por ela de dia é uma tarefa hercúlea. De noite é vivenciar um pesadelo de olhos abertos. Fantasmas que assombram trechos desertos. Aparições que irrompem de pontos mal-afamados. Espectros oriundos de tragédias. Assombrações originadas de desgraças.
Em locais onde muita gente de cá costuma passar para o lado de lá, às vezes a porta acaba ficando aberta. Quem é mais sensível consegue enxergar através da fresta. Vê a sobreposição do aquém e do além. Vislumbra a encruzilhada dimensional por onde transitam os vivos e também os mortos.
Estranhas ilusões, tão perturbadoras quanto a loucura. Tão reais quanto a morte.