Por Clayton Alexandre Zocarato
A morte de crianças naquela maternidade estava se repetindo semanalmente para não dizer quase que diariamente.
A maioria das crianças tinha um óbito parecido, sufocamento misterioso por entre os canais do tubo de entubação endotraqueal.
O desespero dos pais era constante, pois ninguém conseguia presumir ou ter alguma opinião do que estava acontecendo, e que estava fazendo aquilo.
A Enfermeira Chefe, Graça, era a responsável pelo setor da maternidade, e tinha autorizado à contratação de novas Doulas, para que assim as futuras mamães ficassem mais seguras durante o trabalho de parto.
Graça sendo mãe, também estava estarrecida por tamanha barbaridade, mas estava investigando os laudos do necrotério para descobrir alguma pista que levasse até o culpado daquelas barbáries.
Dia após dia, as mortes seguiam acontecendo.
Graça resolveu então sondar de madrugada o setor de entubação dos recém-nascidos.
Mas todas as suas investidas eram em vão
– Se existe algum tipo de assassino, tinha que deixar algum tipo de marca ou digital, tem que haver alguma pista?
Passou a fazer hora extra por conta própria, vigiando e sondando polivalentes espaços do complexo hospitalar central.
A garrafa de café foi sua fiel companheira.
Certa noite se sentou a beira da monitoria da câmera de vigilância, e ficou olhando atentamente, até seus olhos pesarem.
De soslaio, meio dormente, ficou observando durante um bom tempo um vulto sombrio, que passou por entre as salas de recuperação dos pequeninos.
Um ser maligno, que fez seus nervos entrarem colapso, que lentamente deu a impressão de empurrar o cano de respiração dos bebês contra seus pulmões, que assim viesse a compreender, uma sensação de profundo medo que atravessou suas entranhas.
Ficou, alguns instantes encarcerada em si mesmo, pois não poderia crer no que estava presenciando.
Uma sensação de profunda tristeza e comoção a fez analisar de maneira pavorosa tudo aquilo.
– Que tipo de criatura poderia proporcionar tamanho terror perante seres tão indefesos?
Nada pode fazer nada, nessa noite mais dois bebes estavam mortos.
Começou uma investigação por conta própria e assim foi sendo levada para informações que a fizeram ficar mais estarrecida ainda. Algumas Doulas tiveram seus filhos contendo uma morte prematura, ao qual não havia uma explicação racional para tais eventos, o que a deixou ainda mais inquieta.
Foi até as fichas de inscrições de todas as Doulas, e percebeu que praticamente todas eram “solteironas”, e que não tinham filhos com pais presentes, ou simplesmente realizam suas atividades com um prazer insano e irresponsável, em se sentirem um pouquinho mãe, diante o vazio de suas vidas, sem ter um companheiro de fato presente.
Uma das fichas contendo o amarelado do tempo, a fez prestar atenção em torno de uma análise mais apurada.
Uma Doula, com o nome “Hela”, tinha sido demitida por conta de vários natimortos em seu currículo, e diante essa frustração havia cometido suicídio jurado se vingar de alguma forma das pessoas que tiraram seu emprego, e assim a privar-se, em apreciar o desenvolvimento de vida dos recém-nascidos.
Hela tinha um cabelo preto lindo pela foto, e um olhar que ao mesmo tempo despertava temor como amor.
– Que fim trágico teve essa moça, ao mesmo tempo em que poderia ter ajudado muitas vidas, diante seu fracasso deu fim a sua própria existência? Pensou consigo Graça.
Depois daquele, dia começou a intensificar seus plantões noturnos, mas pelos os dias seguintes nada de anormal tinha acontecido.
Todavia, depois desse período de calmaria, durante uma madrugada gélida, percebeu novamente um estranho vulto se aproximar da ala dos bebês.
Imediatamente saiu da sua condição letárgica e ao invés de ficar analisando pelo monitor da câmera foi até o local.
Para seu choque, apenas viu um vulto passar por entre as janelas, enquanto mais dois bebes estavam mortos.
Graça percebeu, que o vulto continha cabelos negros, e exalava uma sensação mista entre o ódio e o amor, mas que ao mesmo tempo estava diante de algo ou alguém que não tinha conexão com esse mundo.
No dia seguinte voltou até os arquivos do hospital, para investigar mais sobre Hela.
Ficou estarrecida.
Hela praticava secretamente eutanásia, e para manter o nome e reputação da instituição, foi mantida em segredo seus infanticídios, e assim Doula foi enviada para uma prisão antes, de acabar com a própria vida.
Entre suas investigações conseguiu descobrir, seu antigo endereço, para assim tentar sanar suas incertezas, foi até o local, e com o subterfúgio de realizar uma investigação acerca desses crimes, conseguiu a autorização da polícia para entrar no seu lar.
Assim que chegou as portas de uma casa como mofo pelas paredes do lado de fora, sentiu um forte cheiro de carne ocre.
Era insuportável, precisou pegar uma máscara de proteção para conter o vomito que já estava em irrupção por sua boca.
Abriu a porta, e encontrou uma casa que reinava uma sensação terrível de vazio e medo.
Poucos móveis, empoeirados, dobradiças que rangiam sem parar, deixando uma sensação fantasmagórica, de que estava constantemente sendo observada.
Por um momento sentiu uma forte sensação de culpa.
– Poderia “eu” ter feito algo por Hela, mas não fiz? Recebo o nome de Graça, mas isso tudo não tem graça nenhuma.
De forma sutil, em um pequeno sopro, que atravessa seus tímpanos, e que freneticamente faz suas palpitações aumentarem, tremores começam a tomar conta do seu corpo.
Não poderia mais negar uma verdade aterradora.
Hela estava presente nesse local.
– Bem minha querida, parteira a, até que enfim conseguir, chamar um pouco sua atenção.
– Já havia chamado minha atenção há tempos, sua renegada do inferno? Por que fez isso com minhas crianças?
Hela solta uma gargalhada.
– Suas crianças? Que até antes de serem corrompidas pelos pecados, supostamente são suas, e que vão servir ao seu criador celestial, mas que ao longo da vida ficarão cada vez mais próximas de mim, desejando mais e mais o mundo material, e se afastando do espiritual, “Eu” apenas encurtei o caminho do fogo, matando-as e assim deixando seu fardo de proteção mais leve, minha Cara Graça.
As suas memórias espirituais começam a voltarem e ambas as Doulas se revelam, uma com ar brando de paz ternura, e a outra cheia de ódio e raiva.
Naquela casa, cheia de rachaduras, o bem e o mal estavam dialogando, acerca de como combater ambos, através do uso da inocência.
– Graça, deixe disso, vamos? Você mesmo sabe que cuidar desses pimpolhos, advindos do bem é inóspito, e que na maturidade vão ser mais um pouco de carne fresca para o inferno não vale um combate entre nós duas?
Graça responde...
– Não vou lutar contigo, afinal você nunca soube, o que é ter a pureza de uma criança, já foi feito a imagem e semelhança do mal. Minha existência vai ser socorrer e proteger aqueles pequeninos que não caiam em suas garras.
Um silêncio sepulcral toma conta do local, ambas deixam o local em direções opostas, enquanto um choro gritante é ouvido na maternidade, enquanto uma sombra ameaçadora se aproxima do infante, e uma Doula chega à recepção atrasada.
– Me desculpe pelo atraso, tive que conversar com uma mãe infeliz, que perdeu seus filhos e lhe dar amparo.
A chefa da maternidade a fita com desdém.
– Ahhhh... Graça, sempre arrumando graça com mulheres sem graça...
E a vida continua a nascer continuadamente, e aterrorizantemente...
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