Os grandes clássicos dos quadrinhos nacionais
Por André Bozzetto Junior
Entre os diversos gêneros de histórias em quadrinhos que vieram a fazer sucesso – tanto em volume de vendas quanto em qualidade do material produzido – na prolífica trajetória da nona arte no Brasil, um dos que mais se destacou, com toda certeza, foi o Terror. Desde as décadas de 1930 e 1940 passou-se a ter alguma singela produção que, com a aceitação do público leitor e o despontar de artistas extremamente gabaritados, foi tomando fôlego de forma progressiva, até atingir o seu auge entre os anos de 1970 e 1980 e encontrar a decadência na primeira metade da década de 1990, onde a crise econômica da Era Collor, minou o poder de compra dos leitores e tornou o caro processo de impressão de revistas praticamente insustentável, levando inúmeras publicações ao cancelamento e editoras à falência.
Durante a "Era de Ouro" dos quadrinhos de terror no Brasil, tivemos algumas publicações que se tornaram clássicas e até hoje são referência – não apenas da parte dos fãs, mas também de estudiosos do tema – pela qualidade do material publicado e pelo sucesso obtido junto a leitores ocasionais e colecionadores. Entre essas, é impossível deixar de mencionar as lendárias Kripta (RGE), Spektro (Vecchi), Capitão Mistério apresenta (Bloch), com suas infindáveis séries derivadas, Calafrio e Mestres do Terror (D-Arte). E são exatamente as duas últimas que se constituem no foco deste breve artigo, não apenas em função da minha predileção pelas mesmas, mas também por serem as únicas que continuam sendo editadas atualmente.
Neste ponto, creio ser muito válido mencionar aquela que provavelmente seja uma das características mais cativantes da revista, responsável por parte do grande apreço que possuo pela mesma, e que consiste justamente na brasilidade inerente à maioria das histórias. Ao longo da série há um constante desfiar de narrativas macabras vivenciadas por pessoas comuns, como o taxista da esquina, o açougueiro do bairro, eu ou você. São tramas que se passam nos subúrbios das grandes cidades, nas sombras perigosas dos arranha-céus de suas áreas centrais, nos recônditos isolados de cidadezinhas do interior, em áreas de matas afastadas ou nos sertões que entrecortam diversas regiões do nosso país. Figuras mitológicas oriundas de "causos" difundidos em nossa tradição oral e reminiscências do folclore popular e lendas urbanas seguidamente dão as caras, geralmente nas versões mais terrificantes possíveis. Tudo isso com aquela deliciosa “aura de anos 80”, que tanto agrada os nostálgicos de plantão, como este que aqui escreve.
No que se refere aos roteiristas e desenhistas que transitaram pelas páginas das revistas, fica até difícil destacar algum em particular, pois havia uma profusão de grandes talentos como R. F. Lucchetti, Mozart Couto, Flávio Colin, Rubens Cordeiro, Ota, Jayme Cortez, Júlio Shimamoto, além dos já referidos Zalla e Colonnese, entre vários outros não menos gabaritados. Particularmente, sempre fui um grande fã das histórias do Ota – o reconhecidíssimo Otacílio Costa d'Assunção, lenda do meio dos quadrinhos nacionais, não apenas como artista, mas também como editor – pois muitos dos seus roteiros ambientavam as ações em gafieiras, bordéis, bairros decadentes, subúrbios sinistros, espeluncas diversas e estabelecimentos comerciais para lá de suspeitos, o que reforçava o tom de terror tipicamente brasileiro das narrativas, além das mesmas virem ocasionalmente pontuadas por perspicazes doses de ironia e humor negro.
Infelizmente, em 1993 ambas as revistas foram canceladas. Calafrio parou na edição 52, tendo tido também cinco números especiais publicados. Mestres do Terror foi até o número 62, além de ter recebido quatro edições especiais.
Em 2002, a editora Opera Graphica
lançou um álbum especial comemorativo intitulada Calafrio – 20 Anos Depois, contando com histórias de autores como Eugênio Colonnese, Mozart Couto e Jayme Cortez, entre
outros.
Depois de mais alguns anos de hiato, a Calafrio volta a ser publicada em 2015, quando Zalla fecha um acordo com os editores Daniel Saks e Fábio Chibilski, do selo Ink&Blood Comics. As novas edições, que notadamente procuram retomar os aspectos editoriais da séria clássica – acertadamente, diga-se de passagem – recomeçam a numeração de onde a editora D-Arte havia parado, ou seja, a partir do número 53. De quebra, a Mestres do Terror é igualmente trazida de volta da sepultura, depois de décadas de hibernação, também retomando a publicação de onde havia parado no início dos anos 90, ou mais especificamente, do número 63. Pouco tempo depois, Fábio Chibilski se desliga da edição das revistas para se dedicar a outros projetos e, com o falecimento de Rodolfo Zalla em 2016, Daniel Saks assume sozinho o papel de levar adiante a publicação de ambas. Editadas inicialmente sem uma periodicidade rígida, atualmente a Calafrio é publicada nos meses de abril, junho, outubro e dezembro, se encontrando na edição 69, e a Mestres do Terror, lançada nos meses de fevereiro e agosto, está no número 73.
Publicadas
de forma independente – e, inicialmente, quase amadora – as revistas da Ink&Blood
Comics vêm apresentando uma notável evolução, tanto no que diz respeito a
diagramação e impressão, quanto no que se refere ao conteúdo. Com a acertada
proposta de republicar eventualmente algumas histórias clássicas de fase áurea,
tanto a Calafrio quanto a Mestres do Terror têm aberto espaço para
novos talentos dos quadrinhos nacionais, além de ter o grande mérito de trazer
de volta às páginas diversos colaboradores da D-Arte que, com reedições de
material raro ou conteúdo inédito, vêm abrilhantando cada novo número. Sidemar
de Castro, Ivan Lima, Toni Rodrigues, Gian Danton e Bené Nascimento – o internacionalmente
aclamado Joe Bennett – são alguns dos nomes encontrados nessa fase atual das
revistas.
Em um mercado editorial completamente diferente daqueles anos dourados da década de 1980, onde as bancas de revistas se encontram em extinção e até grandes editoras enfrentam problemas e recebem críticas em função de dificuldades de distribuição, e, principalmente, com um público leitor de quadrinhos muito menor do que no passado, é admirável a iniciativa da Ink&Blood Comics de manter a publicação das duas revistas, apesar do lento e baixo retorno financeiro. Percebe-se o profundo respeito com que o legado da Calafrio e da Mestres do Terror é tratado, e, apesar da natural necessidade de se adequar aos tempos atuais, o glorioso passado de ambas as publicações nunca é perdido de vista.
Para se adquirir as revistas, pode-se entrar em contato diretamente com o editor Daniel Saks através do e-mail: revistacalafrio@gmail.com