Por André Bozzetto Junior
Isso daí aconteceu num ano em que
fui trabaiá no interior de Ilópolis, a tal de “Terra da Erva-mate”. Tava na
época de podá as planta e levar os gáio para moer nas ervateira e fazer a erva
para o chimarrão. Como o povo toma muito chimarrão por aquelas banda, tinha
bastante serviço e precisavam de gente de fora para trabaiá, como eu. Fiquemo
nas terra do véio Luiz, que tinha bastante hectare de ervero pra desgaiá.
Quinze dia de serviço puxado.
No fim de semana, quem morava por
perto foi pra casa, mas quem era de longe, quem nem eu, ficou pousando no
galpão do véio Luiz. Além de mim, também ficou um outro vivente chamado
Toninho. Na sexta-feira, fim da tarde, ele convidô pra ir tomar umas canha na
bodega do Bépi, que não ficava muito longe de lá, e depois ir na zona, farreá
um pouco com as quenga. Como não tinha nada pra fazê, concordei. O véio Luiz
escuitô nossa conversa e disse que não era pra atalhar pelo bambuzal porque lá
de noite costumava aparecer o "Diabo nas Taquara”. Eu fiquei meio
desconfiado, mas o tal de Toninho disse que era muito macho, que não tinha medo
nem de hôme nem de assombração, quem se alguém aparecer para se fresquear ele
dá uma tunda de laço e fura o bucho com uma peixeira que ele carrega na cinta.
Bancava o machão o vivente.
Daí fumo na bodega. Os caminho
era tudo no meio das roça ou pelo mato e já tava começando escurecer. Fiquei
ressabiado, mas não falei nada. O Toninho andava de peito estufado que nem um
galo véio. Dizia que se aparecesse mula sem cabeça ou curupira ele dava uma
camaçada de pau. Quando comecemo a beber graspa no bodega, ele logo ficou
bêbido e começô e encher o saco dos outro, até que deram um tapão na orêia dele
e jogaram pra fora. Eu saí também, meio com vergonha e medo de apanhá junto.
Então fumo pra zona. Já tava tudo
escuro, só se enchergava um pouco da estrada por causa da lua. Quando cheguemo
numa encruzilhada, o Toninho quis ir pelo bambuzal, porque era mais perto. Eu
já tava me cagando de medo, quando me pareceu ter escutado um assobio vindo do
meio das taquara. Acho vi um vulto passando lá no meio. Parei, com as canela
tremendo que nem vara verde. O Toninho seguiu em frente, disse que se
aparecesse alguém ele ia surrá como fez com os cara da bodega e sumiu no meio
do bambuzal, me chamando de “cagão”, “veado” e “Maria Bonita”.
De repente, dos meio das taquara
começô uma barulheira dos inferno. Escutava umas gargalhada como se fosse de
alguém meio louco da cabeça, com uma voz mais feia que de uma cadela dando cria
de atravessado, e os grito desesperado do Toninho, que não parecia ter mais
nada de machão naquelas hora. Também começô uns estouro no meio das taquara e
uma claridão que parecia de uma fogueira andando de um lado pro outro. E não é
que aquilo parecia tá vindo na minha direção?!
Pulei pra fora da estrada e me
escondi detraiz dumas capoira. Até essa hora, já tinha me mijado duas veiz de
medo. E daí eu vi. O Toninho vinha correndo pela estrada, com as calça pegando
fogo. Ele batia com as mão tentando apagar as labareda, das veiz rolava no
chão, mas não adiantava. Então continuou correndo e gritando, com o fogo no
rabo. Mas o pior era o que vinha correndo detraiz dele. Digo, “correndo” num
tava, porque como um vivente poderia correr cum uma perna só?! Era um
rapaizinho moreno, com uma cara feia igual um cão chupando manga e uma toquinha
vermeia na cabeça. Numa mão ele tinha uma tocha, e na outra ia balançando a
peixeira do Toninho, como se tivesse debochando da cara dele. E não parava com
aquelas gargalhada do inferno que me fazia arrepiá até os cabelo da nuca. Eu
fechei os zóio de medo, fiquei quieto igual piá cagado e, drento da minha
cabeça, rezava pra Virge Maria, Menino Jesuiz de Praga, São Jorge e o Neguinho
do Pastoreio me salvar. Jurei que não ia mais ficá bêbido, nem ir na zona e nem
olhar mais revista de muié pelada.
Quando tive corage de abrir os
zóio, aquela visage já tinha se sumido e a estrada tava deserta de novo. Corri
de volta pra fazenda do véio Luiz, cagado de medo. Quando cheguei na minha
cama, me ajoelhei e rezei trinta e dois Pai Nosso e vinte e sete Ave Maria .
Depois peguei no sono, de ropa e tudo. Quando acordei de manhã, Toninho não
tinha voltado. E nem voltô, nunca mais. Os outro trabalhador diziam que ele
tinha ido embora porque era vadio, não gostava de trabaiá no pesado. Eu não
contei nada pro povo, só pro véio Luiz eu falei a verdade. Ele suspirô fundo e
disse “Eu avisei”. Depois não foi mais tocado no assunto.
O tempo passô e eu acabei descumprindo as promessa que
tinha feito. Todas elas. As veiz eu ainda sonho com o Toninho correndo pela
estrada, como fogo detraiz da bunda, e as veiz me parece de escutar ao longe,
de madrugada, os assobio e as gargalhada daquilo
que vi perseguindo ele. Por via das
dúvida, nunca mais passei perto de nenhum bambuzal de noite. Nunca se sabe.