Por Maria Ferreira Dutra
Cheguei
em casa por volta das dezenove horas, depois de um longo dia de trabalho. De
tão cansada não jantei nem banho tomei, quando era quase vinte três horas, fui acordada por alguém
batendo na porta.
Me
levantei, dei uma ajeitada com as mãos no cabelo e fui atender o chamado. O
corredor estava escuro, a lâmpada não funcionava. Perguntei quem era e não
obtive resposta não sei o que me deu que abri a porta. Acho que me descuidei,
mas abri e para a minha surpresa não havia ninguém. Logo pensei que alguém
tinha batido na porta do vizinho já que as nossas portas são bem coladas, tive
a impressão de ter sido na minha.
Já
que eu estava de pé, resolvi fazer algo para comer. Separei uns ovos, duas
fatias de pão, alguns pepinos presunto e queijo. Enquanto estava no processo de preparação do
lanche, ouvi de novo a batida, e dessa vez foi mais forte, lavei as mãos
observei pelo olho mágico e nada vi novamente.
Fiquei
bem assustada, liguei para a casa de vigilância do condomínio e avisei que
alguém brincava de bater na minha porta e isso me incomodava. Pedi ao segurança para ver nas imagens se tinha
alguma criança zombeteira pelos corredores
do condomínio. Logo fui avisada que nas
câmeras não aparecia ninguém mas que um
segurança seria enviado para fazer a ronda em todos as escadas e corredores do
prédio. Eu o agradeci e fiquei esperando a resposta.
Depois
de um tempo meu interfone tocou, era da
central de câmeras e o segurança me informou que realmente não tinha ninguém
pelos corredores mas que, mesmo assim. era bom eu escrever uma
ocorrência no livro, com assinatura, data e horário. Eu
respondi que faria isso no dia seguinte bem cedo antes de ir para o
trabalho.
Desliguei o interfone e sentei na
cadeira da mesa da sala para me alimentar, liguei a televisão para assistir um
filme. Amy veio ao meu encontro, roçando seu corpo e cabeça entre as minhas
pernas. Seu miado não parava. Achei que ele estava com fome, tirei um pedaço do
meu pão e o ofereci.
Amy
cheirou, e cheirou, mas não comeu e deu um curto salto e pulou em meu
colo. Com um olhar acolhedor e músculos
trêmulos eu sentia as seu corpo tremer em meu colo. Ela parecia estar com medo.
Mas medo do quê? Me perguntei. Como Amy era fujona provavelmente devia ter
apanhado na rua, assim eu pensei.
Acabei
de comer e fui me deitar no sofá, Amy ficou bem escondidinha, comigo e o
encosto da almofada durante todos os
quarenta minutos de filme.
Me
levantei, dei uma batida na roupa para tirar os pelos, eu precisava escovar os dentes e urinar. Amy
seguiu os meus passos, até ao banheiro. Quando abri a porta, um cheiro forte de
mar misturado com esgoto invadiu as minhas narinas. Isso fez eu espirrar e ter
ânsia de vômito. Abri a tampa do vaso e
vi que uma água preta saia e os ralos começou a inundar o meu banheiro.
Preocupada que aquela imundície invadisse
os outros cômodos corri para pegar um desentupidor de vaso na área de
serviço e ao retornar vi que a sala já estava toda inundada com aquela água mal
cheirosa e todo o ambiente estava mais frio do que antes. Parecia que eu estava
dentro de um frigorífico.
Coloquei
uns panos na entrada da porta com medo que aquela água invadisse o corredor e
passasse para os elevadores. Enquanto isso eu ia puxando a água para o ralo da
cozinha e área de serviço. Eu continuava
com muito frio e resolvi pegar roupas no meu quarto, quando olhei em direção ao
cômodo, vi uma névoa de fumaça de gelo saindo por debaixo da porta.
Ao
adentrar me deparei com uma terrível criatura saindo de dentro do espelho. A
porta do quarto bateu e eu fiquei presa com aquela criatura. Eu só escutava os
fortes miados da Amy do outro lado da porta. Tentei várias vezes abrir a porta,
mas parecia que uma força do outro lado impedia. A criatura me cheirava, me
lambia, me olhava se babando toda. Eu gritei por socorro mas fui
silenciada por uma espécie de gosma que
o monstro lançou em minha boca. Me debati e consegui me livrar. Abri a porta do
armário e tentei me esconder entre as roupas. Mas foi em vão, a besta arrancou
a porta, eu segurei no cabideiro até o quanto eu pude, mas a sua força era bem
maior e conseguiu me arrancar lá de dentro. Continuei ouvindo o miado do meu
gato e arranhões desesperados na porta até que ouvi uma forte pancada. Parecia
que algo tinha sido lançado na parede. Imaginei ser o meu Amy, pois o seu miado
tinha cessado.
Minhas
lágrimas desceram e me deram forças para lutar ainda mais. Mas tudo parecia
piorar. A porta do quarto foi aberta e lá fora se encontrava uma outra criatura
demoníaca. Mas eu não podia me entregar, esse não era o meu fim. Não eu não
aceitava isso. Eu estava ali indefesa, mas morrer era certeza que eu não
queria. Tive que pensar rápido. Era tudo ou nada. Comecei acariciar o macho que
segurava o meu braço quase esmagando. Coloquei a minha mão em seu peito e
comecei a acariciar. Ele parecia está gostando. A fêmea não aprovou o que viu e
partiu pra cima dele. Os dois começaram a brigar com muita violência e ali, na minha frente, o macho
enfiou as garras em seu corpo e a partiu ao meio deixando as vísceras de fora.
Eu
não queria acreditar no que estava vendo, o bichano comeu a sua própria espécie
e eu percebi que no seu ventre estava
sendo gerado um bebê e ele como pai o salvou. Eu bem que tentei derrubar aquele
horrendo bebê de cabeça no chão mas me veio uma lapada e uma baforada na cara. A
fera tentava me levar para dentro do espelho, acho que era uma espécie de
portal pois eu conseguia ver muita fumaça e vultos passando no fundo.
O
bebê começou a se mexer dentro da bolsa gestatória até que se rompeu e a
criatura saiu e escorregou do seu colo. Aproveitei o momento em que ele se
assustou e me largou para segurar a cria e tentei escapar. Mas logo fui segurada novamente por seus braços
nojentos e pegajosos. Eu realmente não
sabia mas o que fazer, estava tentando ganhar tempo fazendo uma força quase
inútil. Eu já estava perdendo as forças quando ouvi um miado que também chamou
a atenção do monstro e foi atrás do som me arrastando junto. Eu vi minha gata e
fiquei feliz por ela estar viva. Nesse momento eu queria que ela fosse
inteligente o suficiente para ficar quietinha, e isso a manteria viva pelo
menos.
O
caruncho viu Amy cheirou e parecia não ter gostado do cheiro ou percebeu que
ela estava muito machucada e resolveu a deixar por ali. Ao passar em frente
ao espelho da minha sala ele se olhou e
sorriu para a sua aparência. Tocou no espelho e girou algumas vezes o
dedo. Eu vi um portal se abrindo. O
pálido levantou a sua pequena criatura e mostrou no espelho. vários sons foram
ouvidos como se estivessem em festa. Provavelmente estavam reverenciando aquele
nojento nascimento.
Ao
me mostrar pelo espelho vi cabeças e mãos tentando sair para me apanhar, mas
consegui escapar dos seus toques. Aquele não parecia um dos melhores portais
para se entrar. Com uma das mãos livres peguei o enfeite da mesa e joguei no
espelho tentando quebrá-lo, mas ao invés disso ele o engoliu e se fechou.
O
fedido a enxofre voltou e tentou me
levar para o seu mundo. Foi quando me lembrei da minha tesoura de costuras na
primeira gaveta da cômoda. Abri e a peguei e sem nenhuma piedade comecei a
golpeá-lo. A criatura sangrava e gemia de dor. Foram umas vinte ou trinta
tesouradas e quando dei por mim, estava sendo ajudada pela Amy que a arranhava
e o mordia por toda parte. Meu coração se encheu de alegria por ver que apesar
dos ferimentos Amy foi uma guerreira e sobreviveu.
Por
conta da dor, a criatura acabou me soltando entrando no espelho sem mim. Saí
correndo para pedir ajuda ao vizinho e relatar o ocorrido e, quando fui mostrar
a poça de sangue azulada no chão, ela já não estava mais lá. O pior é que
ninguém acreditou em mim. Dois dias
passados e um sinal apareceu na minha mão e estava crescendo muito rápido. A minha pele estava começando a ficar
escamosa e meu rosto desfigurado parecido com um réptil. Acho que fui
contaminada por aquele ser imundo.