PARTE III
19h 40min
Dinho estava arrependido. Quando o Sr. Schneider ofereceu pagamento em dobro para os seguranças que permanecessem no hotel, ele havia decidido ficar, e agora era tarde demais para ir embora. Já havia anoitecido, e ele estava com medo. Dos oito seguranças da equipe, metade foi embora logo depois do último assassinato, há três dias. Permaneceram apenas Renato, Charles e Duda, além dele próprio. Ele sabia que Duda e Charles estavam interessados apenas na grana extra, e por isso ficaram. Mas deviam estar se borrando de medo, como ele. Estranho mesmo era o Renato, que parecia não ter medo de nada.
Naquele momento, o estacionamento principal, em frente ao hotel, estava completamente vazio. Parecia um grande deserto asfaltado. O Sr. Schneider e seus convidados deixaram os carros no estacionamento de trás. Dinho viu quando eles chegaram.O Sr. Schneider em seu belo Omega, o detetive com um Vectra. O escritor parecia mais modesto, veio de Monza.
O jovem segurança estava distraído, imerso em suas próprias preocupações, quando teve a impressão de ter ouvido um grito. Não tinha certeza, mas parecia ter vindo do outro lado do estacionamento, perto do bosque. Com o coração acelerado e uma crescente sensação de desconforto, tentou entrar em contato pelo rádio com Renato, que era quem deveria estar vigiando aquela área, mas ele não respondeu. Tentou contatar Duda, mas novamente ficou sem resposta. Apenas quando entrou na frequência de Charles é que conseguiu localizar alguém.
– Charles, você está me ouvido? – perguntou Dinho.
– Positivo. Pode falar.
– Onde você está?
– No meu posto,ora! No estacionamento de trás.
– Você não ouviu um grito?
– Não. Quando foi isso?
– Acho que faz uns dois minutos. Tentei entrar em contato com o Renato e com o Duda, mas eles não responderam.
– O Renato passou por aqui há meia hora atrás. Parece que esta acontecendo alguma coisa lá dentro. E quanto ao Duda, eu não o vejo desde que anoiteceu.
– Ok. Fique atento.
– Certo. Se o Duda aparecer, ou se precisar de algo é só chamar.
– Valeu. Até mais!
Depois de ter falado com Charles, Dinho se convenceu que o grito fora apenas uma alucinação auditiva, fruto do nervosismo. Quanto ao medroso do Duda, provavelmente estava escondido em algum lugar, todo borrado. E lá dentro não devia estar acontecendo nada de mais, caso contrario, teria sido chamado. Contudo, suas reflexões otimistas forma bruscamente interrompidas quando ele ouviu, com um sobressalto, passos de alguém se aproximando às suas costas. Virou-se apenas a tempo de receber uma violenta machadada que lhe espatifou o crânio em múltiplos pedaços, sujando em tons pegajosos de sangue e fragmentos de cérebro o asfalto frio e cinza do estacionamento.
20h 02min
– Mas onde será que aqueles dois se meteram?! – esbravejou o Sr. Schneider.
– Será que Sidnei os pegou? – indagou o escritor, empolgado.
– Meu Deus! Nem sabemos se é realmente ele o assassino! Além disso, Sidnei é um cara debilitado, quase um aleijado! E aqueles dois são homens fortes e estão armados! – respondeu o dono do hotel.
– O assassino já demonstrou ser muito astuto. Ataca suas vítimas de surpresa, antes que possam se defender. – Argumentou Rubem, insistente.
– O pior de tudo é que o Rodrigues está com o rádio. Assim nem posso chamar os seguranças que estão lá fora! – lamentou o velho.
Nesse instante, um grito horripilante ecoou pelo hotel.
– O que foi isso? – indagou o escritor – Será que ele pegou mais alguém?
– Como posso saber? – retrucou o velho, já com a arma em punho.
Enquanto o Sr. Schneider se aproximava cautelosamente da porta que dava acesso ao corredor, ouviu-se um estalo, e a energia elétrica foi cortada, deixando-os às escuras.
– Só faltava essa! – gritou Rubem.
– Isso está ficando fora de controle! Vou chamar a polícia ! – exclamou o dono do hotel, pegando o telefone de cima da escrivaninha.
– Do lado de fora da sala, alguém estava tentando abrir a porta.
– O telefone está mudo! Foi cortado! – gritou o velho.
– Tem alguém ali fora, Sr. Schneider ! – disse o escritor, aproximando-se do velho.
– Rodrigues, é você ? – perguntou o dono do hotel, apreensivo.
Ninguém respondeu. Do lado de fora, a porta foi forçada novamente.
– É você, Allan? – questionou o velho – Eu estou armado, e se não disser quem está aí, vou atirar!
– Sr. Schneider, abra a porta, por favor! – sussurrou uma voz, do outro lado.
– Quem está aí ? – perguntou o dono do hotel, com os nervos à flor da pele.
– Sou eu, Charles! – respondeu a pessoa do outro lado.
– Quem é esse Charles? – perguntou Rubem.
– É um dos seguranças. – explicou o Sr Schneider.
– Por favor, abram a porta! – insistiu a pessoa do lado de fora – Está acontecendo um massacre aqui!
O dono do hotel aproximou-se da porta.
– Não abra! – gritou o escritor – Ele pode estar envolvido!
– Isso é bobagem! – retrucou o velho – Conheço esse rapaz desde que ele era criança!
Quando o Sr. Schneider abriu a porta, Charles atirou-se para dentro desesperadamente. Estava ensopado de suor, e trazia na face um semblante apavorado.
– O que está acontecendo? – perguntou o dono do hotel, trancando a porta novamente.
– Dinho e Rodrigues estão mortos! – respondeu o rapaz, com a voz trêmula.
– Mas como?! – espantou-se o velho.
– Eu não sei! Falei com o Dinho pelo rádio, e ele estava preocupado porque não conseguia contato com os outros seguranças. Como também não os encontrei, decidi ir até o estacionamento principal, para falar com o Dinho pessoalmente. Mas quando cheguei lá, ele estava morto, com a cabeça arrebentada! Havia pedaços de miolos e sangue por toda parte! – Charles estava quase desmaiando – Quando vi aquilo, corri aqui para dentro, e então encontrei o Rodrigues.
– E onde ele estava ? – perguntou o Sr. Schneider, servindo ao segurança uma dose de whisky.
– O corpo estava no meio da escada... e a cabeça estava lá embaixo, no primeiro andar. – respondeu Charles, bebendo com muita dificuldade, devido à tremedeira.
– Meu Deus! Meu Deus! – exclamava o velho, abismado.
– E agora? O que vamos fazer? – indagou o escritor.
– Podemos tentar chegar até o estacionamento de trás. – disse o Sr. Schneider – Então pegamos um carro e fugimos!
– Não vamos conseguir! – exclamou o escritor – O assassino vai nos pegar antes disso! Além do mais, ele já cortou o telefone e a eletricidade, provavelmente sabotou os carros também.
– Eu não teria certeza quanto a isso. – interveio Charles – Eu estava lá até alguns minutos atrás, e ninguém apareceu.
– Você não viu ninguém lá fora? – perguntou Sr. Schneider.
– Na verdade, um pouco antes de encontrar o corpo do Dinho, eu vi o detetive correndo pelo bosque, feito um louco.
– O detetive? – espantou-se o velho – Agora realmente eu não entendo mais nada!
– E Sidnei? – perguntou o escritor – Você não viu Sidnei?
– Sidnei? – espantou-se Charles.
– Isso mesmo, Sidnei, o manco. Você o viu?
– Mas, ele foi embora, há um bom tempo atrás! – respondeu o segurança.
– Como assim, foi embora? – interveio Sr. Schneider.
– Simplesmente pegou a sua caminhonete e saiu em disparada, pelo portão dos fundos.
– E por que você não nos avisou?
– Porque Sidnei sempre entrou e saiu a hora que quis. Ninguém me pediu para vigiá-lo.
– Bem – disse o velho – Pelo menos sabemos que o assassino não é ele.
– Eu não apostaria nisso. – intrometeu-se Rubem – Ele pode ter feito aquilo apenas para despistar.
– Pelo amor de Deus, Rubem! – irritou-se o dono do hotel – Pare de insistir nessa história! Veja o que aconteceu com Rodrigues! Ele era um homem com mais de um metro e noventa de altura, entendia de artes marciais e estava armado com uma Magnum! Sidnei nunca teria condições de massacra-lo daquela forma!
Todos ficaram em silêncio.
– Talvez você tenha razão. – concordou o escritor, após refletir por alguns instantes.
20h 15min
Duda já tinha planejado tudo. Sairia sorrateiramente da cozinha, onde estava escondido, passaria correndo pela área de serviço, e chegaria ao estacionamento traseiro pela porta dos fundos. Lá, entraria no primeiro carro que encontrasse aberto, e fugiria daquele lugar maldito, o mais rápido possível. Que se lixassem o Sr. Schneider, o Dinho e os outros seguranças. E principalmente, que se lixasse o nojento do Renato, que sempre quis bancar “o gostosão”. Tomara que o tal Palhaço Gargalhada arrancasse as tripas dele. Não importava que o chamassem de covarde. Aliás, nada mais importava, além de salvar a sua própria vida.
Desde que anoitecera, Duda notou que as coisas não estavam bem. O ar estava denso e tinha cheiro de morte. Por isso resolveu se esconder. Afinal, nunca fora segurança droga nenhuma, apenas pegou aquele emprego porque lhe disseram que não precisaria fazer nada. Chutar o traseiro de algum bêbado, no máximo. Mas a situação ia mal. Há alguns instantes atrás, ele ouviu passos, gritos, gemidos e todo tipo de barulhos assustadores. Porém, depois tudo ficou em silêncio, e só o que ele tinha que fazer era sair do armário e correr, com todas as suas forças. Se alguém aparecesse na frente, ele iria mandar bala.
Silenciosamente, o rapaz saiu de seu esconderijo. Estava tudo calmo. Andou apressadamente em direção a porta da área de serviço, mas um calafrio percorreu-lhe a espinha ao constatar que a mesma estava trancada. Subitamente, uma dor tremenda invadiu-lhe o corpo no instante em que suas costas foram transpassadas por uma violenta facada. Em um primeiro instante até tentou se defender em meio à dor e o pânico, mas foi inútil, pois o seu agressor era muito forte. Depois de uma série de golpes, desabou ao chão, repleto de sangue, e antes de perder definitivamente a consciência, lhe veio à mente a imagem surreal do velho sítio dos pais, na sua cidade natal, de onde desejou nunca ter saído.
Continua na próxima semana...
O Caso do Palhaço é um livro escrito por André Bozzetto Jr em 1999 que acabou não sendo publicado no época e, posteriormente, seus originais foram considerados perdidos, fazendo com que permanecesse inédito por mais de 20 anos. Recentemente redescoberta, a obra está sendo agora disponibilizada gratuitamente na forma de capítulos semanais no blog Relatos Noturnos.