3 de dez. de 2023

REFRESCO MORTAL

 

Por Clayton Alexandre Zocarato

 

 

Mar Mediterrâneo – Próximo a Atenas – 146 a.C.

 

A galera romana navegava próxima ao Porto de Atenas.

Estava há dias no mar, e seus soldados, como seus  marinheiros estavam exaustos.

A força dos seus remos não era suficiente para empurrar a embarcação rústica, e já em  grau considerável  de decomposição.

Nemestrino era um comandante com vasta experiência dentro da marinha romana.

Já tinha participado de muitas campanhas e combates, mas sabia que aquele sinal de desdém perante o lar de Poseidon, em ficar praticamente à deriva por vários dias, semanas,  tinha algo de incomum.

A águas estavam furiosas, a tripulação faminta, e a alimentação estava escassa.

A cólera avançava de forma abrupta e impiedosa.

Olhava  para o horizonte, e tinha seu pensamento em encontrar alguma embarcação grega e assim fazer daquele marasmo, algo que pudesse lhe devolver a habilidade de  lutar com destreza,  e combater de forma violenta  os  “bárbaros”, e assim honrar sua terra e assim poder voltar para os portões de Roma como herói do império.

Sonhava com o dia ao qual seria conduzido por Pretores, como sendo o articulador de uma nova Armada, ao  poria fim de uma vez aos  helênicos.

Todavia sabia que por aquelas águas,  várias embarcações já haviam desaparecido de forma misteriosa.

Alguns diziam que aquela região era habitada por criaturas, metade humana e metade peixe, e que com seu canto infernal,  pudesse atrair, marinheiros para suas profundezas e assim alimentarem de seus fluidos, e conservar suas almas no mais remoto reduto de escuridão possível.

Nemestrino, com um odor apavorante, e tendo a companhia frenética de mosquitos, assim caminha para o centro de seu barco.

Fita todos com frieza.

Sabe bem que o risco de um motim é eminente.

Ordena a seu assistente que coloque todos em atenção, para ouvirem sua fala.

- Caros irmãos romanos. Gloria e Poder eterno a nossa querida Roma. Que assim, nossa missão possa ser cumprida em todo esplendor, e que nada e ninguém nos detenha de conquistar a terra de Zeus.

Navegando lentamente, o capitão comanda sua embarcação com mãos de ferro.

Tudo era uma contemplação para se chegar a conquistar o intuito de levar todo o lucro para o Império.

Porém ao horizonte, vozes vinham como uma frota de prontidão para lutar,   rompendo  todos os obstáculos, para assim saciar uma sede vingança inexpugnável.

Um canto atroz.

Um pouco feroz.

Repleto de vozes...

Procurando novos algozes.

Nemestrino sai da sua sala  de comando.

Caminha por entre seus remadores, e vê muitos rostos cheios de temores, mas não abaixa sua guarda.

Chama um de seus comandantes.

- Soldado. O que é essa cantoria? Tem alguma ideia do que seja isso? E quem está tirando a paz de meus homens?

- Senhor! Isso pode ser classificado como o poder das sereias. Não tenho muito esclarecimento sobre isso, mas ouvi algumas pessoas dizerem que no meio de seu mergulho, por essas águas,  ocorre muito sofrimento, e aqueles que são arrastados  por elas jamais regressam.

Nemestrino caminha de um lado para o outro.

Durante aquele dia todo, ficou em volta de seus pensamentos  , dançando freneticamente angústias a  horas afins, buscando na sua  razão, algum tipo de explicação para tudo aquilo.

- Sereias? Mais uma tola maldição lançada por esses malditos gregos, para assim conseguirem parar as chances do Imperador, de conquistar suas ricas terras.

No entardecer, colocou toda sua tripulação em alerta máximo.

Na madrugada se tornou o canto,  mais agudo.

Os vigilantes estavam com muito medo, e faziam suas funções de vigilância e suas  sanidades ficassem ainda mais comprometidos.

As águas estavam condenadas pelas brumas da escuridão, mas lentamente suas moléculas foram sendo atravessadas por diferentes tipos de seres, balançando suas caudas, e que estavam suculentas por ouvirem gritos de desespero e pavor.

Seus gingados traziam um ódio abissal, desejando se vingarem daqueles que estavam destruindo seus conterrâneos.

Por entre cantos de uma leveza e tonicidade alucinante, estava o desejo de destruição, e de levarem todos àqueles para as profundezas de suas águas sem nenhum tipo, de piedade ou clamor.

As sereias estavam enfurecidas.

Queriam muito mais que lhes dar um refresco.

Realizariam uma carnificina marítima, que levassem esses homens, para um gozo de dor, onde suas almas ficariam para sempre empaladas sem nenhum tipo de clemência, ouvindo gritos de sufocamento, com seus pulmões sendo revestidos de águas, até chegarem as suas bocas.

Isso seria uma forma de suplício para aqueles, que só pensam em cobiça, e que em torno da ambição de seus corações, postergam a igualdade perante os homens.

As donzelas da perdição começam a subirem por entre a galera, e com sua astúcia, vão lentamente abraçando os marujos de Reno e Rômulo, e os transportando para as profundezas.

O mergulho dessa noite, seria  mais do  que refrescante.

Vai passar a ser mais uma morada dos infiéis, aos quais irão fazer companhia para Hades, e estarão em um labirinto de medo sem fim, como o Minotauro.

Os alaridos de suas canções de destruição avançam sem precedentes, levando incertezas de salvação, para uma perdição sem fim.

As sereias não se conformaram com pouco.

A matança dessa noite foi significativa.

Seu coro de sangue foi enaltecido com agudos sentidos de uma inteligência buscando almejar, uma paz, não sendo  ela plenamente  verdadeira.

A única verdade sensitiva será a destruição.

Uma humilhação esplêndida, de que mitos podem vim a se tornarem verdades em alguns momentos.

Mergulhos de ódio,  em  fazer o ser humano pagar por sua ingratidão espiritual.

Uma ontologia de medo, lapidada na destruição da ética.

A beleza feminina, sendo austera perante um mundo de homens, que só detinham na força física, alguma existência que viesse despertar uma consciência que viesse a dar conta de suas miserabilidades, em deixar seu egocentrismo e  de que pelo poder das armas poderia se conseguir de tudo.

Depois, de terem levados todos os homens para as mais ignóbeis profundezas, Nemestrino saiu do seu diálogo, com Morfeu.

O teatro do horror, já havia composto toda a sua trama de perdição, e o comandante estava agora enfrentando sua Abjuração.

Olho para o vazio, as águas estavam calmas.

Remos, copos, pratos, todos espalhados, por entre a madeira contendo gosto de sal.

Fica perdido por entre seus pensamentos.

Suas memórias estão borbulhantes...

Com muito esforço, quebra o claustro noturno.

- Talassa apareça? Deixe de jogos? Sei que é você? Se quer, meu sangue venha me buscar logo?

Um splash, e uma sereia cor de esmeralda salta diante de si, contendo cabelos em tom ensolarado reluzente, com um tridente brilhoso, e olhos amedrontadores.

- Até que enfim, exaltou meu nome Nemestrino!

- Bem aqui estou não vou mais fugir.

- Sempre observei e sei bem o que é o orgulho de um velho desbravador das minhas águas. Você derramou muito sangue, por essas rotas, e agora terá que pagar por isso.

Nemestrino vendo que sua navegação pelo mar da vida terrena, estava se encerrando, alarde um suspiro tedioso e triste.

- Calou-me, por todo esse tempo, e agora ainda zomba de mim. Talvez eu,  mereça esse refresco de morte mesmo. Não vou pestanejar, me  leve consigo.

Talassa em uma voz de pouco caso responde.

- Não irás comigo, e também não te levarei para lugar algum. Só apareci para dizer, que o iludi, e que seu castigo será saber, que toda a sua dedicação para esse maldito Império de nada adiantou. Acreditou mesmo que és tão importante assim? Se quisesse,  já estaria morto há tempos.

        A galera continua seu viajar à deriva e Nemestrino seria para sempre, até o fim dos seus dias espectador privilegiado dos mais belos cantos diferidos pelas sereias mais cruéis e belas do Mediterrâneo.

25 de nov. de 2023

CRÍTICA DO FILME: A PRESA

 

Por André Bozzetto Jr

 

            Uma discussão recorrente entre os fãs de cinema, e em especial os fãs de horror, é em relação ao termo “Trash”. Muitas vezes as pessoas tendem a interpretar a expressão trash como sinônimo de gore, ou dizer que um filme trash é necessariamente um filme desagradável de se assistir, mas será que essas interpretações são corretas? Afinal, o que é um filme trash? Que características deve ter um filme para se enquadrar nesse rótulo? Certa vez eu vi alguém comentando, se não me engano em alguma rede social, que um filme trash é aquele onde nada funciona, a direção é estapafúrdia, o roteiro é ridículo, os atores canastrões, os efeitos toscos, e apesar de tudo isso o filme ainda consegue prender a atenção do espectador. Em síntese, o filme trash é aquele que “de tão ruim acaba sendo divertido”. Particularmente, essa definição me agrada.

            Porém, partindo desse pressuposto, surge uma nova questão: como devemos classificar então os filmes onde nada funciona, a direção é estapafúrdia, o roteiro é ridículo, os atores canastrões, os efeitos toscos, e - ao contrário dos autênticos filmes trash - acabam se tornando irritantes e nada divertidos? Ainda espero por uma definição que contemple a contento esse tipo de filme, mas desde já aponto um exemplo irrevogável, que atende pelo bisonho nome de “A Presa” (The Feeding, 2006), certamente o pior filme que assisti em 2007 e muito provavelmente um dos piores que tive o desprazer de assistir ao longo de toda a minha vida de fã do gênero.

            Dirigido e roteirizado pelo fiasco em pessoa, Paul Moore, o mesmo do não menos péssimo “A Colheita” (Dark Harvest, 2004), esse tal de “A Presa” é tão ruim, mas tão ruim, que parece que foi feito de propósito para ser assim. Ou talvez foi elaborado para ser uma comédia que, de última hora, alguém decidiu que deveria ser lançado como um filme de terror, e deu no que deu. Porém, dadas às circunstâncias, mesmo que fosse uma comédia, o resultado seria igualmente catastrófico.

            Essa bomba deveria ser, teoricamente, um filme de lobisomem, mas na prática não faz diferença alguma, já que poucos ou quase nenhum elemento da mitologia das criaturas licantrópicas são aproveitados. Se fosse um filme sobre o Boitatá, a Mula-sem-cabeça ou um jacaré gigante, daria na mesma. Basicamente, a história contada por essa obra nos mostra um grupo de jovens drogados e idiotas que decidem passar um final de semana acampando nos Montes Apalaches, no interior dos EUA, sem saber que uma criatura misteriosa anda rondando pela região matando tudo que encontra pela frente, desde animais até pessoas. Simultaneamente, o contingente da Guarda Florestal responsável pela área recebe o reforço do agente especial Jack Driscoll (Robert Pralgo), um especialista em predadores que veio para auxiliar na identificação e captura da criatura que vem espalhando o pânico pelas redondezas. Logicamente, todos se verão envolvidos em muita correria em meio à mata, onde terão que enfrentar a tal criatura e lutar pelas suas vidas. Pronto. Esse é o enredo do filme.

            Mas afinal - podem se perguntar alguns – o que o torna tão ruim assim?

            Em primeiro lugar a produção (ou ausência de). Na condição de grande fã de filmes de lobisomem, acredito que um dos motivos pelos quais são produzidas poucas obras de lobisomem se comparado às de vampiros, fantasmas e zumbis, por exemplo, é devido ao fato de que os filmes abordando as criaturas licantrópicas requerem efeitos de maquiagem trabalhosos, demorados e muitas vezes caros, para dar conta da concepção da criatura. Além disso, tem o agravante das aguardadas cenas de transformações, sempre cobradas pelos fãs desse subgênero, que potencializam ainda mais as dificuldades relativas aos efeitos especiais e aos trabalhos de maquiagem. A não ser, é claro, que se apele para os efeitos em CGI, mas nesses casos os resultados costumam ser decepcionantes. Pois bem, em “A Presa” não há nenhuma cena de transformação, e a concepção do lobisomem ultrapassa todos os limites do ridículo. E sabem o que é pior? É que os próprios produtores do filme sabiam disso, tanto que, apesar de muito vasculhar na internet, não encontrei sequer uma foto da criatura, nem mesmo no site oficial do filme. Decerto eles já previam que, se a audiência conhecesse o visual do lobisomem de antemão, não se dariam ao capricho de assistir algo tão estapafúrdio.

            Mas isso não é o pior. Acreditem se puderem, mas mesmo durante o filme, nas cenas em que o monstro aparece, alguém teve a ideia brilhante de fazer com que as cores da película ficassem esmaecidas e a imagem desfocada, para que o espectador não pudesse observar com detalhes a dita criatura. Isso mesmo! Sempre que o monstro aparece a imagem fica distorcida! Mas nem isso impede o fiasco. O pobre lobisomem nada mais é do que alguém fantasiado com uma roupa muito tosca, com uma máscara que mal permite leves movimentos da mandíbula, e cujas feições lembram muito a cabeça de um jacaré. Em síntese, poderíamos dizer que o lobisomem é uma versão peluda da Cuca, aquela do Sítio do Pica-pau Amarelo, lembram?

            Mas tudo bem. Se o único problema do filme fosse a precariedade dos recursos empregados na criatura, isso seria relevável, basta levar em conta que existem vários outros filmes de lobisomem onde o monstro é tosco e mesmo assim o filme é bom, como é o caso, por exemplo, do recente “Big Bad Wolf”. Mas existem muitos outros fatores.

            O elenco, por exemplo, dá a impressão que foi recrutado na hora, e de certa forma isso parece verdade, pois com exceção de Robert Pralgo, que já participou do outros filmes “classe Z” e fez algumas pontas em seriados de TV, temos um ou dois elementos que estiveram em “A Colheita”, filme anterior do diretor, e os demais são estreantes. E que péssima estreia. As atuações são, na maior parte do tempo apáticas, mas por vezes desesperadamente exageradas.

            E tem os diálogos. Ah, os diálogos! Ed Wood ao assistir esse filme se sentiria um gênio sem paralelos na história do cinema fantástico. Prestem atenção em uma longuíssima conversa entre o agente Driscoll e sua parceira via rádio e tentem não pegar no sono ou apelar para o controle remoto para passar o filme pra frente. Detalhe: a conversa é via rádio, mas Driscoll está em cima de uma árvore e sua parceira logo abaixo, a não mais do que 2 metros de distância.

            E então chegamos nas cenas de ação, que, de certa forma, são o ponto alto do filme, pois pelo menos rendem algumas risadas, devido à semelhança com as coreografias das lutas e perseguições dos antigos filmes dos Trapalhões, onde Didi Mocó e sua turma faziam e aconteciam. Duas cenas em especial não podem deixar de ser citadas: a primeira delas ocorre quando o lobisomem invade pela primeira vez o acampamento dos jovens idiotas. Um casal de namorados está deitado no chão, e ao verem a criatura, se preparam para sair correndo. Só que um dos otários tropeça nos pés do outro, cai no chão e desmaia. Isso mesmo! É ou não é cena digna de filme dos Trapalhões?!

            A outra cena antológica acontece logo depois, quando uma agente florestal aponta um rifle para o lobisomem e ele a ergue pelo cano da arma. Dá pra acreditar nisso?! O monstro agarra o cano do rifle e o ergue, com a mulher suspensa no ar do outro lado. Surreal! E a idiota não se dá nem ao capricho de apertar o gatilho, ou soltar o rifle pra sair correndo. Fica ali, suspensa no ar, até o monstro achar que perdeu a graça e arremessá-la para longe.

            Mas não é só. Em outro momento, os agentes estão perseguindo o lobisomem com armas carregadas com dardos tranquilizantes. Até que uma agente (a mesma da hilária cena do rifle) dispara um tiro, que, devido a sua péssima pontaria, acerta um dos jovens ao invés de acertar no monstro. O detalhe incrível da situação é que, ao invés de perder os sentidos, como se espera de alguém atingido por um dardo tranquilizantes, o cara acaba ficando chapado! E o mais impressionante é que ele sai zanzando pela mata, trançando as pernas e até falando naquela gíria de malandro típica do estereótipo do pessoal que é chegado numa “erva danada”, falando frases desconexas do tipo “Poh, bicho, não quero mais ficá nessa floresta, não! Vô mi mandá, que não tô a fim de morrer, tá ligado? Tô muito doido!”. Inacreditável.

            E tem muito mais coisas. Em alguns momentos os personagens precisam de lanternas para andar na mata, em outros enxergam perfeitamente na escuridão total. Alguns personagens tropeçam, caem e desmaiam, enquanto outros são praticamente esquartejados e continuam correndo e lutando. Sem falar na inteligência extrema das figuras. Um bom exemplo é o momento em que alguns sobreviventes, ao chegarem a conclusão de que estão enfrentando um lobisomem, improvisam uma arma utilizando um artefato de prata, convictos de que essa é a única forma de matar o monstro. Pois bem, quando o lobisomem chega, o que é que um dos espertalhões faz? Ataca a criatura com um machado, mesmo sabendo que apenas a prata surtiria efeito! É demais...

            Ainda poderíamos mencionar o final, tão ridículo e forçado quando o restante do filme, mas para não incorrer em spoiler, deixo a “surpresa” para algum eventual corajoso (ou seria masoquista?) que tenha disposição para assistir essa bomba monumental.

            A certeza que fica após assistirmos “A Presa” é que, além de representar uma verdadeira ofensa ao legado das criaturas licantrópicas nas telas, o filme pelo menos seria de grande utilidade em faculdades de cinema, para que os alunos e candidatos a futuros cineastas pudessem ter a noção de tudo que não se deve fazer em um filme. Além disso, persiste uma dúvida que tem se tornado cada vez mais recorrente: com tantos ótimos filmes ainda inéditos em DVD no Brasil, como uma tralha praticamente amadora como essa conseguiu ser lançada por aqui? Mistérios das terras tupiniquins...

 

 

NOTA: As críticas desta seção foram escritas originalmente no início dos anos 2000 e publicadas em diversos sites e blogs da época.    

15 de nov. de 2023

CRÍTICA DO FILME: PERIGO MORTAL

 

Por Clayton Alexandre Zocarato

 Filosofia, morte e cinema

Chuck Norris contém a máxima existencial, de fazer filmes de ação com maestria, mas também já se aventurou no campo do terror-policial, fazendo uma interpretação em que seus chutes e socos são armas torpes contra a própria reencarnação do mal.

Em Perigo Mortal – lançado em 1994, com direção de Aaron Norris, irmão mais novo de Chuck, com quem vem desenvolvendo uma longa parceria cinematográfica ao longo dos anos, incluindo o clássico cult “Braddock 3 – O Resgate” – ocorre mistura de um pouco do “policial noir”, com profecias cristãs, voltando ao tempo das Cruzadas, onde Ricardo Coração De Leão enfrenta o servo direto do “Capiroto”, Prosatanos, que antes de ser enclausurado dentro de uma espécie de prisão sepulcral, vaticina que o próprio desejo de pecado há de fazer a humanidade a trazê-lo de volta a vida.

Voltamos para o século XX, onde dois desavisados aventureiros resolvem, se apropriarem de forma indevida das pedras preciosas contidas em quatro estacas, na tumba onde o “medonho foi fechado”, que guardam seu encarceramento eterno, e que logo em seguida em são esquartejados com toda sua fúria e ódio.

Nesse ponto, o filme traz a temática genealógica, que, “em algum momento da história a humanidade se afasta de Deus Pai todo poderoso”, caminhando lentamente, para uma demência de composição de ética, que faz assim o terror ser constituído como algo natural, onde as penumbras do pecado já não causam mais pavores por entre os filhos de Javé, e onde a cobiça material, vem a ultrapassar importância de se ter uma consciência lúdica quanto, a permanecer na fé, e assim, conter armas para persuadir, os “perigos”, de estar servindo diretamente e indiretamente as forças do mal.

Prosatanos tem interesse em recuperar seu centro demoníaco, dividido em noves pedaços, que foi disseminado em sua proteção para nove espaços diferentes ao redor do globo, e que assim parte em sua jornada de sangue, em busca desses fragmentos e que através de um ritual de sacrifico mórbido, possa reunir seus fragmentos, e colocar novamente as forças do inferno na ordem do dia.

Disfarçado por um renomado professor universitário de arqueologia da Universidade Hebraica Professor Lockley (Christopher Neame), se lançam perante uma investigação acerca de uma onda de assassinatos brutais, em busca de reunir as peças de um intrínseco quebra – cabeça para místico - cristão, onde de certa forma a salvação do mundo passa por um corpo de uma garota de programa de Chicago arremessada pela janela de um quarto de hotel barato, onde Shatter e seu parceiro Jackson (Calvin Levels), em uma noite escura de Chicago, depois de estraçalhá-la a meretriz, antes já tinha arrancado o coração de um rabino, que ousou tentar destruir o represente do Demo.

A partir desse momento seu enredo é misturado, por sátiras, de como se combater o mal através, da violência física, que produz uma mistura delação barata com uma pitada clássica ação barata dos estudos da Cannon Films, com um terror carente de sustos reais, mas que não deixa de desenvolver um glamour, em imaginar Chuck Norris, combatendo as forças das trevas, usando de astúcia, mais parecida com uma sintomatologia de atuação lembrando os embaraços do atrapalhado Inspetor Bugiganga, acrescentando a movimentos rítmicos com certo frenesi de lentidão psicomotora de comédia, lembrando Inspetor Clouseau de a Pantera Cor de Rosa.

Sim! Dentro desse espaço fílmico sentenciado a disritmias de estilísticas, que se confundem entre si, realizam complementos intelectuais e de diversões que ao mesmo tempo traçam um perfil psicológico entre terror e o riso, está um conflito latente entre tradições culturais do mundo contemporâneo.

Porém dentro de um pensamento teológico, Prosatanos representa o julgamento do homem, diante seus pecados, em se afastar da sua condição de filho de Deus, e que busca o pecado como algo para se consumir diante, um nefasto sentido de fúria em ter que cumprir com suas obrigações de “criatura malévola”.

Uma criatura que esboça uma forte rebelião psicológica, no intento de fazer Frank Sater, não somente uma lógica de sair dando pancadas e chutes em formas aleatórias, mas sim permutar uma revolta da condição humana, seja sublime a demarcar a existência do ser humano perante as provações de seu “criador”.

Dentro do sentido bíblico do Apocalipse está um lembrete, “acerca dos terrores que homem irá passar perante a se afastar de Deus”, o que não deixar de traçar um espaço artístico de fazer da terra Santa, um vasto campo de batalhas entre o “modus operandi”, de policiais de Chicago acostumados com canastrice do comportamento criminal bizarro, perante o sentimento de oração, em se procrastinar diante o desconhecido para assim ter suas almas salvas.

A busca por redenção diante o sentimento de condenação da humanidade, ao qual o servo direto do Demo, deixa impregnado que ele é somente fruto da refutação humana, em se colocar de joelhos perante o que não se pode ver, mas que de forma material sua maldade é uma característica forte do afastamento do “sapiens, defronte as vontade de Deus”.

Shatter encarna um conservadorismo empírico, de inicio em acreditar que os assassinatos aos quais está investigando contenha algum lampejo de sobrenatural, mas lentamente vai percebendo uma causa maior de sua ida para Jerusalém junto com Jackson.

Assassinatos de lideres religiosos, tanto cristãos como judeus, revelam indiretamente uma união entre as duas religiões, para guardar de forma ardente, o cetro da maldade, que virá assim trazer o Anticristo de volta para a terra.

Em paralelo a isso, ocorre um sínodo de comparações de enredo e “mise in scéne” com o “Príncipe das Sombras”, clássico terror trash dos anos oitenta, contendo Alice Cooper e Donald Pleasence (o eterno doutor Samuel Loomis dos primeiros filmes da série "Halloween"), também acompanhado de “Colheita Maldita”, “onde aquele que caminha por detrás do milharal”, faz uma alusão do retorno da maldade ao convívio direto com os homens, diante um sentido de esconder a verdade das pessoas.

Uma verdade, em se revela, que o desconhecido, causa muito embaraço, perante a penumbra de estar sendo envolvido pelo bem, que em muitos momentos, vêm alicerçados com chuvas de uma descrença do humano no espiritual, mas que dentro seu maniqueísmo está uma estrutura técnica, de limitar a mente, somente ao que seja racional, e não elencar um irracional como uma melodia de transcrever que somos reféns de uma luta incessante de Deus e o Diabo, para arrebanhar cada vez, mais “cordeiros desfalecidos, para seus espaços de condenação ou redenção.

Nesse caso, um clima “noir” de Perigo Mortal, vem a transfigurar uma bipolaridade de subjetividades, que sejam domesticadas a procurarem esclarecimentos diante do falsificacionismo perante a revelação da vinda do Papa do Inferno, está um caminho de luz de vim a se arrepender dos seus pecados mais profundos.

Em uma transcrição dialética, podemos colocar uma fenomenologia do pecado, por um caminhar de harmonizações entre mentes e corpos, que sejam um escapismo diante lograr uma fuga de profetizações e provações, em ter que se arrependerem dos seus pecados, não como uma atitude que parta do mais profundo do seu intimo de arrependimento, mas sim diante fatores externos de uma, “doença mental”, que faz o medo dado à dor física, ser maior do que receio em sofrer diante os sabujos de tormento que, “o mal espiritual pode causar”.

Nesse sentido Prosatanos, faz de suas vitimas um conjunto entre dor e barbárie, onde seus instintos mais cruéis servem como base para se compreender uma melancolia, a comiserar atitudes de causar pânico, mas que ao mesmo tempo seja uma condição de ascensão metafísica revertendo o amor de Deus, a um espelho de gnose, onde morte da sua clemência seja um vetor artístico e humanístico, para uma aproximação do homem perante as vontades do “todo poderoso”.

Shatter, em contrapartida, é um sacrário de contrapeso do herói, em ter que lutar com sua “possível fé”, diante um inimigo, intransigente e sanguinário, que detém passagem tanto para macro – espaço espiritual, como para o micro – espaço do material.

Isso se traduz de forma a enxergar Prosatanos, como um transgressor das leis físicas, que em nome de sua causa demoníaca, ovaciona provocar o “Criador”, transmitindo uma culpabilidade de sua maldade diante um virtuosismo mental, em ter que provar uma fé, que limita os prazeres, como sendo uma fuga para uma necessidade intrépida, em buscar uma “verdade universal”, traduzida em um charlatanismo messiânico discursivo e caótico, em limitar as vontades e desejos mais profundos do ser humano.

O código da inteligência dentro da maldade está relacionado em fazer uma obra cinematográfica, defrontando a maldade não puramente, em “se” existir pela maldade, mas, sim buscar esclarecimentos intelectuais diante um “labor”, de reflexões, que possam assim enunciar que dentro do sentido de uma criminalidade social, este relacionado uma condição humana, de superação de sua interação existencial e corporal quanto ao que se relaciona como sendo parte de uma intelectualidade, como também pode ser traçado como um entendimento humano, delineado na busca do bem comum.

Um bem comum, que em determinados momentos está escondido, de um esgotamento de sentimento culposo, em ter que realizar uma semiologia da abjuração de nossos piores pecados, em deixar uma imagística de arrependimento, em muitos momentos transcritos na figura do próprio pecado, pois Shatter esgarça a necessidade de “matar o mal”, mesmo que para isso esteja traçado, a não respeitar sua percepção perante o que seja de fato um fator de fazer o bem e o mal, de forma a não garantir uma “repetição de esquizofrenia deleuziana”, em ver “tudo”, como fruto do pecado que se classifique como uma metáfora quanto aos principais medos e ressentimentos humanos.

Dentro de um arcabouço “teórico deleuziano”, Prosatanos passa como uma tipologia existencial em que construir novos devaneios intelectuais, em ornamentar, tanto, “à vontade como o experimento”, onde ela traz uma patologia de estar sempre a alguns passos na frente na eterna luta entre o bem e mal, enquanto realiza através de seus experimentos psicológicos, quanto ao que pode ser classificado como sendo maldade, ou uma escolha de subjetividade humanística intelectual concisa.

Em sua subjetividade, está enraizado uma incessante diplomacia sanguinária, em fazer das pessoas ao seu redor, tanto escravos como também exemplos do seu poderio em disseminar o pecado como sendo a verdade universal, que venha afastar as pessoas da graça de estarem presentes, diante as vontades de Deus.

Usando do racionalismo de René Descartes, com a teoria da esquizofrenia de Gilles Deleuze, a maldade dentro do antagonista de Chuck Norris em Perigo Mortal eleva padrões de partículas mentais que podem fazer do obscuro, seja a porta de entrada para um dinamismo de interligar ações de um pensamento público, como privado, do que seja classificado “como sendo verdade”, dentro de uma brevidade de carestia de resistência de uma consciência que seja feita em torno de, “uma maiêutica sucinta”, que veja o terror não como “logos”, só diversão, mas sim como algo natural dentro das mais profundas vontades e desejos humanos.

Enquanto Shatter procura a todo o momento fazer justiça, Prosatanos outorga cumprir o vaticínio, de fazer o ser humano se arrepender por sua ambição e avareza, que assim vai causando mais aflição e tristeza, para uma civilização, que deseja proclamar seus pecados em público, mas que reza sempre por melhorias para ti no seu espaço privado.

Não se trata de realizar uma releitura obscura acerca da presença do mal, incessante escaldante dentro das telas, mas que sim venha propiciar um amadurecimento e um enraizamento, em analisar como nossas neuroses e desejos mais imundos e profundos, podem virem a mexer com o universo quântico, e assim provocar um alinhamento entre forças mecânicas e espirituais, que causem  uma luta apocalíptica entre Deus e o Diabo, aos quais nós seres humanos somos eternos espectadores.

Tanto Shatter como Prosastanos, estão dentro de uma sinopse de intercederem por suas ações que durante seus breves diálogos, colocam um egoísmo tanto luciferiano como cristão, que não importa o que aconteça, tem que estarmos prontos para encarar nosso destino custe o que custar, mesmo que para poder se salvar, seja necessário voltar a pecar, para tentar voltar, a ter o mandamento universal do amar incondicional, tanto corporal como espiritual.