Por André Bozzetto Jr
É
impressionante como existem filmes capazes de despertar sentimentos extremos e
opostos na plateia que os assiste. Alguns elogiam, ressaltam as virtudes da
obra e se declaram seus fãs, enquanto outros a denigrem e até se irritam com os
que ousam elogiar o trabalho por eles odiado. Nos deparamos com situações assim
todos os dias, seja nas redes sociais ou em qualquer outro lugar onde um grupo
de aficionados se encontre para debater sobre filmes. São os casos em que se convencionou rotular
de “ame ou odeie”, uma vez que não costuma haver meio-termo nessas
circunstâncias. E exemplos não faltam, em especial entre os gêneros de horror e
suspense. Se formos fazer uma espécie de retrospectiva, poderíamos iniciar pela
década de 1980 e citar o controverso “Cannibal Holocaust”, tido por alguns como
um filme ousado, inovador e chocante, enquanto para outros não passa de uma
obra extremamente apelativa e de mau-gosto. Na mesma década temos os filmes da
franquia “Sexta-feira 13”,
capazes de despertar paixões extremas em uma imensa legião de fãs, na mesma
proporção em que estimula outros a ressaltar suas falhas e classifica-los como
toscos e desprezíveis. Na década de 1990 temos “Pânico”, visto por alguns como
um filme revolucionário e “salvador da lavoura” do cinema de horror, enquanto
outros o classificam como um filme simplório, que apenas repete todos os
clichês já vistos em slasher-movies elaborados ao longo das décadas anteriores.
Na década atual, talvez tenhamos mais exemplos do que nunca, com os filmes
orientais sobre fantasmas vingativos (e seus sucessivos remakes americanos),
como “O Chamado”, “O Grito” e “Espíritos”, que apavoram e empolgam uma grande
quantidade de admiradores, enquanto enfurecem e provocam atitudes de deboche em
outra grande parcela de espectadores. Poderíamos citar ainda como exemplos de
obras que “se ama ou se odeia” os filmes do cineasta e músico Rob Zombie (“A
Casa dos 1000 Corpos”, “Rejeitados pelo Diabo” e “Halloween 2007”) que sempre geram
discussões acaloradas quando entram em pauta. Enfim, a lista de exemplos poderia se
estender durante muitas páginas.
Não
por acaso, o filme que é o tema desse artigo também se encaixa perfeitamente no
grupo das obras mencionadas acima, pois tanto no exterior quanto aqui no Brasil
(onde foi lançado em DVD com o ridículo título de “A Fera Assassina”, que
prefiro nem utilizar) ele vem recebendo uma enxurrada de críticas e elogios
quase que na mesma intensidade. Trata-se de “Big Bad Wolf”, filme de lobisomem
lançado em 2006, roteirizado e dirigido por Lance W. Dreesen, de “A Casa do
Terror Tract” (Terror Tract, 2000). Mas, “afinal, o que torna o filme tão
controverso?” podem estar se perguntando alguns. É o que veremos a partir de
agora.
O
filme inicia de forma muito promissora, mostrando Scott Cowley (Andrew Bowen) e
seu amigo Kenge (Martin Dorsla) caçando em uma noite chuvosa nas selvas
africanas. Por rádio eles se comunicam com Charlie Cowley (Christopher Shyer),
irmão de Scott, que está não muito distante dali, e diz que seu parceiro de
caçada simplesmente desapareceu e agora ele está ouvindo barulhos assustadores
na mata. Scott e Kenge também passam a ouvir barulhos sinistros nos arbustos
que os circundam e não tarda para que sejam atacados por uma enorme e
monstruosa criatura. Kenge é morto rapidamente e Scott tem sua perna
brutalmente arrancada pelo monstro. Nesse instante, Charlie surge e alveja o
monstro, que corre para o interior da floresta. Mas já é tarde para salvar
Scott, que acaba morrendo nos braços do irmão.
A
ação corta para sete anos depois, quando Derek Cowley, filho do falecido Scott,
está fazendo uma cópia da chave de um chalé pertencente ao seu padrasto
Mitchell Toblat, onde ele pretende dar uma festa para convencer um grupo de
colegas da faculdade a lhe aceitarem numa fraternidade. Aqui cabe destacar que
o ator que interpreta Toblat é ninguém menos do que Richard Tyson, canastrão
que já atuou em mais de 50 filmes, dos mais variados gêneros, e que foi imortalizado
pelo personagem do temível bad boy Buddy Revell, no divertidíssimo “Te
pego lá fora” (Three O’Clock High, 1987), filme de enorme sucesso na década de
1980 e que se tornou um clássico da “Sessão da Tarde” tendo sido exibido e
reprisado uma infinidade de vezes na TV brasileira.
Entre
o grupo que vai participar da festa no chalé estão dois casais formados por
Jason (Adam Grimes) e Alex (Jason Alan Smith), dois manés metidos a gostosões
que só pensar em transar e encher a cara, e suas respectivas namoradas, a
interesseira Cassie (Sarah Smith) e a bobinha Melissa (Robin Sydney). A
contragosto, também vai com eles a motoqueira Sam (Kimberly J. Brown), melhor
amiga de Derek e ostentadora de um visual rocker, com muito couro,
piercings e maquiagens pesadas. Depois de horas dirigindo sem conseguir
encontrar o chalé, o grupo para na beira da estrada para auxiliar um velho que
está tendo problemas com sua camionete. Sam, que é mecânica, logo identifica o
defeito e resolve o problema. Em retribuição, os jovens pedem para que o velho
lhes indique o caminho para o chalé, e este o faz, mas não sem antes dar os
tenebrosos avisos corriqueiros nesse tipo de filme, como “vocês não deveriam ir
para lá” e “quando anoitecer não saiam do chalé”. Sem dar muita importância para
as palavras do sujeito, o grupo segue o caminho indicado e chegam ao chalé
quando a lua cheia já está brilhando no céu.
A
festinha então tem início, e como manda a tradição, é movida por muita bebida,
música alta e insinuações eróticas. Apenas Derek e Sam se encontram entediados
e sem disposição para o agito.Um ponto interessante a ser destacado até aqui, é
que o filme vai se desenvolvendo com um clima que de cara me lembrou o clássico
“Um Lobisomem Americano em Londres”, onde tudo acontece em meio a uma leve dose
de humor, mas ao mesmo tempo vai acrescentando em seu decorrer uma tensão
sutil, porém crescente, que deixa o espectador com aquela sensação de algo ruim
irá eminentemente ocorrer em
breve. Em certa altura, Alex e Melissa decidem dar um passeio
ao luar e o aconchego de uma grande árvore acaba se revelando um lugar propício
para uma transa. No quarto do chalé, Jason e Cassie também estão às voltas com
as mesmas ideias, embora para o desespero do rapaz, tudo que ele consegue da
namorada é uma sessão de sexo oral. Então temos a primeira das cenas que
realmente confirmam a intenção do diretor Dreesen em fazer uma divertida
homenagem a “Um Lobisomem Americano em Londres”, no momento do primeiro ataque
do monstro ao grupo de jovens, onde os enquadramentos, a sequência e a edição
das cenas foram montadas de forma idêntica ao primeiro ataque visto na obra de
John Landis: Alex e Melissa percebem que alguma coisa está os espreitando e os
cercando na escuridão e decidem voltar para o chalé o mais rapidamente
possível. Quando começam a andar, Alex cai no chão (com as calças nos
tornozelos!) e quando Melissa se volta para observá-lo é subitamente atacada
pelo monstro, de forma rápida e brutal. Alex consegue correr para o chalé, mas
o lobisomem o segue e rapidamente comete um grande massacre, com direito a
mutilações, sangue e tripas para todos os lados e até uma incômoda cena de
castração! Para se ter uma ideia da crueldade do lobisomem, ele ainda estupra
Cassie antes de rasgar a garganta da moça com suas garras! A muito custo,
apenas Derek e Sam conseguem fugir do massacre.
Na
hora da dupla prestar depoimento na delegacia, temos a segunda e definitiva
homenagem a “Um Lobisomem Americano em Londres”, quando entra em cena o ator
David Naughton, astro do filme de John Landis, e que aqui faz uma participação
especial de poucos minutos, interpretando o xerife Joe Ruben. Tudo isso
acontece nos primeiros 25 minutos de filme. Desse ponto em diante, Derek e Sam
passam a investigar o caso na tentativa de descobrir a identidade do lobisomem,
e as suspeitas logo recaem sobre Mitchell Toblat, o padrasto do rapaz, uma vez
que Sam viu o carro dele estacionado nas imediações do chalé na noite dos
assassinatos. Depois que Charlie Cowley, tio de Derek, aparece trazendo sua própria
carga de suspeitas sobre Mitchell, a investigação se torna mais intensa e mais
perigosa, uma vez que o lobisomem não está nem um pouco a fim de ser pego.
Também se envolvem no caso um grupo de estudantes e aspirantes a jornalistas,
que ficam tentando realizar um documentário sobre o massacre do chalé e não
param de seguir Derek e Sam. Na verdade, podemos identificar aqui mais uma
homenagem aos filmes dos anos 80, pois em “Te pego lá fora”, também
protagonizado pelo ator Richard Tyson, havia um grupo idêntico, que ficava
tentando fazer um documentário sobre a badalada luta do malvado Buddy Revell na
saída da escola. A conclusão da história vai levar todos de volta ao chalé, de
onde muito poucos sairão com vida.
Mas
então, afinal de contas, porque tanta gente considera o filme ruim? Em primeiro
lugar, porque levam o filme muito a sério, quando na verdade nem ele próprio
faz isso. “Big Bad Wolf” é um filme que segue os moldes da grande maioria das
obras concebidas ao longo da década de 1980, misturando terror e humor, e que
por si só não devem ser levadas a sério, como é o caso, por exemplo, de “A Hora
do Espanto”, “A Volta dos Mortos-vivos” e o supracitado “Um Lobisomem Americano
em Londres”. Seriedade e coerência certamente não são os elementos predominantes
desses filmes, mas isso não faz com que eles deixem de ser extremamente
divertidos. E com “Big Bad Wolf” não é diferente.
Porém,
na visão daqueles que abominam essa obra, o maior problema parece ser mesmo o
lobisomem. Muitos dizem que a caracterização do monstro é muito tosca, e em
partes isso é verdade. Com certeza, o licantropo desse filme não se compara aos
de “Grito de Horror” ou de “Um Lobisomem Americano em Londres”, mas isso não é
justificativa suficiente para desmerecer a obra, uma vez que os lobisomens de
filmes como “Cães de Caça” e “Possuída”, também deixam bastante a desejar em
termos de caracterização, e mesmo assim a grande maioria dos fãs de filmes das
criaturas licantrópicas consente que se trata de trabalhos muito divertidos e
marcantes. Mas o detalhe que mais desperta o ódio nos detratores do filme é o
fato de que o lobisomem fala. Isso mesmo, ele fala! E isso torna o filme ruim?
Pra mim não. Primeiro, porque não está escrito em nenhum lugar que os
lobisomens não possam falar. Ao longo do tempo, os lobisomens usaram roupas (“O
Lobisomem”, “O Lobisomem de Londres”), se transformavam quando bem entendiam,
inclusive de dia (“Grito de Horror”), foram quadrúpedes (“Um Lobisomem
Americano em Londres”), se transformavam de forma progressiva e permanente
(trilogia “Possuída”) e tiveram inúmeras outras variações. Era questão de tempo
até alguém ter a ideia de acrescentar essa “inovação”, mesmo que isso não
signifique lá grande coisa. Até porque, as coisas que o lobisomem fala se
resumem a ameaças irônicas e debochadas, no melhor estilo Freddy Krueger, o que
acaba realçando a crueldade do mostro. Por exemplo: no inicio, quando alguns
personagens estão trancados no chalé, com o lobisomem pelo lado de fora, ele
grita “Porquinhos, porquinhos...abram a porta e me deixem entrar ou eu mesmo
irei derruba-la!”. Em outro momento, uma turma de jovens foge do monstro e se
tranca em um certo aposento. Ao chegarem lá, se dão conta que uma das moças
ficou para trás. Então, pode-se ouvir a voz do lobisomem gritando: “Podem se
esconder, que eu irei achar vocês! Mas antes vou me divertir um bocado com essa
loirinha que vocês perderam no caminho!”. Em seguida, ouve-se os gritos
desesperados da pobre garota. Enfim, na minha humilde opinião, o fato do
monstro falar não prejudica o filme em absolutamente nada.
Além
disso, o diretor Dreesen se mostrou corajoso ao incluir no seu filme muito
gore, com sangue e tripas em profusão, cenas de mutilação, esquartejamento,
castração e violência psicológica, misturando a isso doses significativas de
sexo, já que temos duas cenas onde personagens aparecem fazendo sexo oral, além
da já mencionada cena de estupro e uma outra transa mais “convencional”. Ou
seja, não se trata de um filme feito para qualquer público, mas sim para os já
iniciados no gênero.
“Big
Bad Wolf” ainda tem outras virtudes, como o fato de todas as atrizes, sem
exceção, serem bonitas e sensuais, possuiu uma trilha sonora muito legal, e
ainda ganha pontos pelo final extremamente irônico e condizente com o restante
do filme, e que deixa o gancho para uma eventual sequência, embora, se isso
vier de fato a acontecer, deverá conduzir a história sob outra perspectiva.
Para
finalizar, recomendo que assistam ao filme e decidam se farão parte do grupo
que ama ou do grupo que odeia essa obra. De minha parte, pertenço ao primeiro
grupo, uma vez que considero “Big Bad Wolf” não apenas um dos melhores filmes
de lobisomem feitos na década atual como também uma divertidíssima obra de
terror em termos gerais.
NOTA: As críticas desta seção
foram escritas originalmente no início dos anos 2000 e publicadas em diversos
sites e blogs da época.